CO-1792
Fonseca, José Paulo Moreira da. [Carta] 1954 fev. 17, Rio de Janeiro, RJ [para] Candido Portinari, [s.l.]. 2 p. [manuscrito]
Meu caro Portinari,
Acabo d chegar de
São Paulo e já amanhã cedo devo seguir para Petrópolis (as férias de um advogado são rápidas e é preciso bem aproveitá-las) – por isso venho lhe dizer, por carta, aquilo que, naturalmente, seria assunto para uma conversa.
Via sua exposição e a II Bienal, comparei-as e senti um grande contentamento: um brasileiro, um amigo meu, talvez seja o maior pintor de nossos dias. Nada encontrei nos cem salões, desde a Indonésia até Paris, que superasse vários de seus quadros, sinceramente, preferi a sua obra, conscientemente julguei-a superior ao resto, com entusiasmo, pois d’outro modo não viria a escrever-lhe, hoje mesmo, essas linhas.
Desejo trazer à nossa conversa dois poetas ingleses – um bem antigo. Dramaturgo da época elisabetana, seu nome: Thomas Kyd – ele escreveu na “Tragédia Espanhola” um verso admirável, que coloca na boca de um pai, ao relatar o assassinato de seu filho
“- Tu poderás pintar uma dor? Tornar visível uma dor?”
Antes de comentá-lo, passemos ao segundo poeta – W.H. Arden – contemporâneo, que assim inicia o seu célebre poema “Palais des Beaux-Arts”
“Sobre o sofrimento dos homens, eles não se enganavam: os Antigos Mestres...”
Você é um dos poucos que hoje responderia em verdade “sim” à pergunta do pai na tragédia de Kyd, é um dos poucos que sabe pintar uma dor, um dos poucos em cujos quadros não vemos engano sobre o sofrimento dos homens, como só aconteceu com os velhos mestres.
Mas, explicando-me, digo que você “pinta” a dor, consegue representá-la em pintura, e não oferecer apenas a “ilustração” de um drama, porque num quadro os gritos não se encontram tanto nas expressões que vociferam, quanto no clamor das cores, no angustioso ritmo das linhas. Você é pintor “pintor”, e não dramaturgo que se vale dos pincéis.
Infelizmente, isso é uma carta, e assim estou eu apenas a falar, e você mudo, mas, de qualquer modo não quis deixar de lhe
escrever , sentir-me-ia menos amigo seu se o fizesse, se guardasse no silêncio a admiração que os seus quadros me provocaram, destarte escrevi, como o princípio de uma conversa que, espero, brevemente teremos à viva voz.
Afetuosamente,
José Paulo Moreira da Fonseca
2