CO-1569
Dionísio, Mário. [Carta] 1949 set. 22, Lisboa [para]
Candido Portinari; Maria Portinari, [Rio de Janeiro, RJ]. 2 p. [datilografado]
Queridos Amigos:
Acabo de chegar de Paris, onde, com minha mulher, fiz uma ótima camaradagem com Jorge e Zélia, e venho ter o prazer de receber o livrinho sobre “Tiradentes”, onde descubro, na dedicatória e no envelope, a caligrafia de cada um de vocês. Agradeço-lhes muito esta prova de saudades e a documentação sobre a sua última obra. Tinha tido notícia dela, em Paris, pelo Jorge e pelo Scliar, que me mostraram recortes de jornais brasileiros. Mas estes recortes eram tão maus (quanto à gravura) que tinha ficado na mesma. Agora vejo bem o alcance e o nível da tela e por onde ela marca um novo passo, consciente e bem construído, para esse novo-realismo, sobre que aqui discutimos há dez anos e de que agora muito se fala em Paris – mas sem resultados ainda visíveis. O seu Tiradentes dá uma resposta perfeita às várias interrogações que se fazem em Paris sobre o destino da pintura. O panorama mudou um pouco de há três anos para cá, mas o que hoje por lá encontramos são, embora com certa inquietação produtiva, variadíssimos becos de difícil saída. Como gostaria de ver o seu “Tiradentes” no original! Mas o Rio é um bocadinho mais longe do que Paris (e mesmo este como está longe de nós!).
Devo-lhes uma explicação sobre o livro que pretendi escrever sobre a obra de Portinari, motivo fundamental da minha ida a Paris há três anos e de que nunca mais dei notícia. A obra já se não faz porque a crise econômica tem atingido em cheio as editoriais portuguesa e, assim, a “Ars”, que editou um Rodin de Manuel Mendes e o meu Van Gogh, que espero tenham recebido, suspendeu a atividade. O meu contrato ficou assim rescindido.
Isto não quer, porém, dizer que estejamos dispostos a deixar de publicar ou desistir de alargar cada vez mais o horizonte cultural do nosso país. Uma coisa é a crise econômica, outra a nossa vontade decidida. Continuamos a publicar “Vértice” – onde espero escrever uma série de entrevistas que fiz em Paris, prosseguimos a publicação de volumes de poesias, realizamos exposições de artes plásticas com um acolhimento cada vez mais largo junto do público. Projetamos também uma pequena coleção (pequena nas ambições gráficas) sobre pintores de hoje e será aí que, mais tarde ou mais cedo, acabará por sair o meu “Portinari”. Por isso lhe peço que continue a enviar-me a documentação que for possível (em especial sobra “A Primeira Missa”, que só conheço de nome) pois na primeira altura o volume sairá – embora muito diferente do que tínhamos pensado inicialmente. Se fizerem isto que lhes peço, não se esqueçam de por remetente, pois suponho que foi este lapso que me fez desta vez ir à alfândega: as autoridades desconfiaram do voluminho (já é preciso ser desconfiado...) e exigiram a minha presença para que o envelope fosse aberto oficialmente. Mas, mesmo com esse pequeno incômodo, estarei sempre desejoso por receber notícias vossas.
Como vai João Candido? A nossa garota tem agora pouco mais de três anos, é uma rapariga bem disposta, muito parecida com João Candido no que toca a movimentação(!), e chama-se Eduarda.
Até breve. Muitas saudades de Maria Letícia e um grande abraço para ambos, do vosso muito amigo:
Mário Dionísio
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