CO-1430
Costa, Waldemar da. [Carta] 1933 jul. 25, Petrópolis, RJ [para]
Candido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 3 p. [manuscrito]
Caro Portinari
Devias ficar admirado que, apesar da tua insistência, eu não baixei a serra para ir à Cidade ou à Civilização.
Homens há que, por serem mal fadados ou, como dizem os evangelhos: terão de penar em sete gerações as faltas dos pais, o que eu sei é que há daqui por pouco tempo, um ano que me encontro aqui em cima, longe de tudo e de todos, lutando pela vida e não tendo melhorado muito de situação.
A única coisa que tenho aprendido é a conhecer os bichos, admirando uns e detestando outros.
Mesmo os ruins são tão formidavelmente organizados que nas suas maquinações destruidoras põem tanta perícia, ficando nós admirados, e então nos fazem lembrar aqueles humanos que, para prejudicar o seu semelhante, usam de sofismas e de trancinhas.
Doa humanos, tenho encontrado pessoas que, na sua simplicidade, são exemplos de probidades e de alta compreensão educadora, capazes de dar grandes lições àqueles que sabem usar uma gravata e a respectiva pérola falsa (quando não é verdadeira, o que é muito pior)
De Paris, tu me secreveste uma vez, e nessa carta me descrevia um tipo que concretamente definia o caipira, esse tipo era quase um poema de nacionalismo, o que te fazia então pensar com [ilegível], no outro lado do Atlântico.
Eu confesso que, apesar de todo o charme e a beleza invulgar destas brenhas e montanhas; apesar de todos os tipos que me puderes descrever; apesar de tudo, Portinari, a minha vida tem sido tão cheia de aborrecimentos, que anseio pelo momento em que possa voltar para aquela [ilegível] terra, com tão desagradável clima, a que vulgarmente chamamos Paname.
Tudo isso, Portinari, me tira todo o interesse e até toda a lucidez para compreender as coisas mais belas, servindo assim todo esse arreigado de falatório para me justificar, porque eu não fui ao Rio ver a tua admirável exposição, onde eu encontraria, do lado de cá do Atlântico, o espírito superior da terra que eu anseio.
Com abraços a Maria e a Silvia, quando com ela estiveres, sou o teu admirador que te abraça
Waldemar
2