CO-2421
Portinari, Candido. [Carta] 1960 abr. 21,
Rio de Janeiro, RJ [para] João Candido Portinari, Paris. 2 p. [manuscrito]
João querido.
Hoje mandei-te duas linhas na carta de tua mãe. Há dois dias foi seu aniversário, jantamos em casa de Olga. Dei-lhe um presente em teu e no meu nome.
Ainda me sinto só. Neste momento estou sozinho. Lá fora, os sinos badalam; as sirenes, buzinas e fogos anunciam o primeiro minuto do 21 de Abril de 1960: a existência do novo estado: Guanabara.
Marísia faz-me companhia, mas foi ao cinema com Ana Maria.
Falas, na carta à tua mãe, na possibilidade de uma bolsa, mas se para obter tens de fazer vida social, o que não é de teu temperamento, não creio haver compensação. Deves ser sempre o mesmo em qualquer circunstância. Pensa unicamente no estudo e deixa-me assumir a responsabilidade material. Não tenho ninguém, aqui e fora, és a única pessoa dando-me a esperança e contentamento.
Os dias monótonos se sucedem e, como não falo ao telefone, vivo na solidão. Tentei sair, mas não me distraí. Acompanhou-me sempre a idéia de ser uma espécie de Patriarca - reunir ao meu redor a parentela mais próxima.
Por isto às vezes penso não ser verdade o que me aconteceu; afora uns poucos amigos, os outros acharam natural. São pessoas sem a menor sensibilidade e limitada inteligência. Com estes, quando os encontro, falo nos acontecimentos publicados nos jornais.
Em pensamento estou sempre a teu lado, contando os dias para o concurso. Não importa o resultado - posso compreender.
Domingo jantarei com o Tamm. Pedirei para te mandar os cigarros Continental. Embarcará uma colega do tempo da escola e creio que tua mãe os mandará por seu intermédio.
De qualquer forma pedirei a outros. Vou terminar por que já o relógio manca 1 ½ horas. Escrevi a nossa boa Noêmia. Lembranças dos amigos. Recomendações aos profs. Fessard, um abraço para o novo Jean Fessard
Abração do
papa.