CO-141
Almeida, Edgard de. [Carta] 1946 set., Roma [para] Candido Portinari,
Paris. 2 p. [datilografado]
Meu caro Portinari
Aqui me tens para te dar notícias nossas, dizer-te que vamos regressar ao Rio dia 9 próximo, daqui de Roma, e o pior, dar em conseqüência uma relativa amolação a ti, ocupando-te, para resolver pequenas coisas deixadas em Paris para serem solucionadas na volta nossa que, afinal, não se dará. De saída peço-te pois que me perdoes de tanta amolação. Creio que, se numerar à margem os assuntos, facilitarei a tua tarefa:
1. Deixei com o nosso comum amigo Jaime de Barros, no consulado, 270.000 francos que te peço apanhar para custear o que for necessário. Darás 20.000 francos ao Apolônio, deixados comigo pelo Queiroz.
2. Tenho um malão fechado no Hotel Continental, que deverá ser enviado para o Brasil. Para tanto, poderás encarregar uma das muitas agências de transporte que existem em Paris. Convém recomendar a quem fizer o transporte, de passar umas fitas de latão em torno da mala, para reforçar sua resistência já um pouco precária. Creio que disto poderá se encarregar o porteiro do Hotel. A mala deverá ser endereçada ao Sr. Edgar Almeida – Conselho de Imigração e Colonização Rio de Janeiro.
Creio que desta forma resolveremos o caso malão. Mas há ainda uma pequena mala que Zaíra deixou com Maria, além de umas “bugingangas” que poderão, se vocês concordarem, seguir com vocês.
3. Tenho uma encomenda feita de dois jogos de cristais Bacarat e um de louça Limoges, que ficaram prontas em meados de outubro. Preciso pagá-las e pedir ao vendedor que as despache para o
Brasil. Vendedor com quem deverás te entender é o brasileiro GRUMBACH, na Rua Mayran, 5 – 3.º sala 34. Telefone Truden 4659. Ele deverá dar recibo de tudo. O endereço para remessa é o mesmo que do malão.
Creio que estes três itens já te chatearão o necessário para que não te esqueças que os brasileiros no estrangeiro são da gente guardar distância...
Vencida assim a primeira etapa desta carta, para a qual tive que vencer uma natural resistência pudorosa de quem sofre, quando se vê obrigado a ocupar alguém, mesmo que este alguém seja do “peito”, passemos à segunda parte:
Que notícias tens recebido do Brasil? As coisas lá continuam como nunca, difíceis. Li num jornal aqui que a Ordem dos Advogados votou uma moção contra o chefe de polícia. Vários ministros já foram mudados e a confusão interna continua a mesma. O Amaral Peixoto rompeu com o Dutra e parece que muita coisa pode acontecer ainda.
De tua exposição, teus êxitos, sucessos, opiniões de críticos, estou no escuro. Escrevi-te pedindo que me enviasses recortes etc. e até hoje “neca”. Agora podes fazê-lo para o Brasil. Não sei se tens visto o Da Costa; mando junto uma carta para ele.
Zaíra ao meu lado manda dizer que está com muitas saudades de vocês e que espera que voltem logo para retornarmos ao velho hábito do “bate papo” em Cosme Velho. Pergunta ainda pelo fabuloso João e envia abraços a Maria e Ines.
O mestre Queiroz não me tem escrito. Depois que vim para
Itália minha correspondência minguou. E eu mantenho o mesmo ritmo, escrevo sempre aos meus amigos uma vez e respondo logo a todos que me escrevem.
Com lembranças para Maria, Ines, um forte abraço no João e um outro para ti, deste teu amigo que briga continuamente, por incompreensão, com a máquina de escrever e que é
o teu velho
Edgard
As chaves que vão juntas, uma é da mala que está com Maria e a outra é do malão no Hotel Continental com o consierge a quem darás uma boa gorjeta.