CO-3356
Mendes, Murilo. [Carta] 1940 fev. 13, Rio de Janeiro, RJ [para]
Candido Portinari,
Brodowski, SP. 4 p. [manuscrito]
Caro Candinho:
Então, que silêncio é este? Espero que todos estejam gozando de paz e saúde, e que vocês estejam aproveitando bem as férias.
Por aqui, nada de novo. O carnaval esteve fracativo. Tinha mais peras do que naquele ano em que saímos juntos. Peras, peras, peras. O carnaval oficial não pode ser, por definição, um carnaval popular! É pena, pois o carnaval é uma festa bastante artística – reúne tudo o que Wagner quis fazer – interesse plástico, cor, som, perfume e movimento, tudo.
Tenho visto alguns amigos e camaradas do “bloco lá de casa”. Todos, naturalmente, perguntam por vocês – e alguns queixam-se da falta de notícias. Vi Bopp, Borba, os Santa. Fui à casa destes e conheci os últimos trabalhos do Santa que achei bem apreciáveis, experiências novas para ele. Está ganhando em conhecimento plástico, aprofundando-se. Ele tinha uma tendência para a superficialidade e para a mecanização da linha, como V. deve saber. Falta de experiência plástica, sem dúvida. Mas agora está adquirindo substância.
Álvaro (Ribeiro da Costa) tem perguntado por vocês. José Cláudio e Magú, também. Adalgisa, idem (não saiu ainda o livro). Aníbal, em B. Horizonte.
Folheei há dias 2 livros de desenhos japoneses, belíssimos. Certos desenhos, de artistas dos 2 últimos séculos, fizeram-me lembrar o espírito de Pisanelo. Não sei se eles o conheceram – mas, como o homem é uma coisa só, apesar das diferenças de tempo e espaço – está certo.
Acabo de ver várias reproduções de Brueghel. Não me canso de admirar estes 2 grandes, estes 2 bambas. São lições para os desenhistas, para os coloristas, para os naturalistas, para os surrealistas, para os poetas. Que senso da criação e da observação ao mesmo tempo, do conjunto e do detalhe, que simplicidade na complexidade, que variedade na unidade! Estes mestres levaram a verdade plástica às suas extremas conseqüências . Que grande e bela coisa é a pintura!
Pela sua última carta (já remota) vi que você tinha descansado um pouco o pincel. Estas pausas são realmente boas à higiene do artista.
Quando é que vocês voltam?Embora desejemos sua presença e a de todos aqui, não somos tão egoístas assim, e queremos que prolonguem mais a estadia aí. O João Candido deve estar uma beleza, não é?
Bem, Candinho, esta já vai longa. Deve sair por estes dias o nº da “Revista Acadêmica” dedicada a você. Recomendo-me a todos de sua excelente família. E em particularreceba com o João Candido, Maria, Olga e Zé, um saudoso abraço do
Murilo
P.S. Como vai o padre?...