Letter

CO-2711 Leite, Vicente. [Carta, 1930], Rio de Janeiro, RJ [para] Candido Portinari, Paris. 6 p. [manuscrito] Portinari Abraços Tenho andado com a minha correspondência em dívida para contigo, embora o meu desejo fosse ir pondo-te a par das coisas do nosso país e especialmente do Rio. Não sei porque vou adiano para te escrever hoje e amanhã e quando me apercebo as novidades que devia te contar ficam velhas, perdendo portanto o interesse, resultando que ficam por não te contar. Agora que pode-se dizer estar se aproximando a tua volta eu te escrevo, não para contar novidades, porque coisa muito mais interessante, e o meu dever de amizade impõe-me lembrar-te. Lembrar-te talvez não seja bem o termo, porém o que quero dizer-te é que tem corrido por aqui que você está levando aí em Paris uma vida de verdadeiro desperdício de tempo, dinheiro e energias, em prejuízo de uma “bagagem” séria que devias (como acho que deves) te preocupar, pois é aí, cercado de um certo conforto material, modelos, museus, tradições e ambiente, que deves aproveitar para produzir coisa definitiva. Não pense, Portinari, que te aconselho a fazer quadros e mais quadros, como fizera certo patrício nosso aí na Europa, porém fazer uma, duas ou três coisas que garantam o conceito que tens aqui no meio e, sobretudo, corresponda às esperanças e desejos dos teus amigos, amigos e inimigos! Já alguém dissera que devemos honrar mais aos inimigos do que aos amigos e eu acredito que sim, pois (isto, alis, é acaciano) são eles que descobrem em nossos olhos os erros e os destroem. Eu, Portinari, desejo vê-lo de volta trazendo um quadro, um único quadro, porém que possa ser adquirido para o nosso Museu e o qual os teus amigos possam apontar como uma obra que justifique o teu Prêmio. Eu estou certo que o farás porque para isto tens capacidade de talento e de caráter. Nas tuas noitadas de farras lembra-te do Brasil, do Rio de Janeiro, de Brodowski, dos teus, e não deixe Paris te vencer! Portinari, não quero me arvorar em teu conselheiro piegas porém falo-te como amigo e, mais ainda, como colega que embarala contigo os primeiros sonhos de glória nas velhas galerias da nossa Escola de Belas Artes, nos dias de penúria e quase miséria em que parcos tostões eram toda a nossa fortuna! Quem te escreve estas linhas desconexas, porém sinceras, é o velho amigo de turras, de brigas e desavenças por qualquer coisa, porém é o mesmo que te quer muito bem e que, na medida que o tempo nos separou um do outro, cresce o meu bem querer formado pela convivência de alguns anos e pela afinidade de ideais! Vou terminar minha carta, Portinari, te prevenindo que, talvez, quando voltare, eu não esteja no Rio, pois pretendo no fim deste ano, ou seja, quando, com certeza, estejas te preparando para viajares para o Rio, eu esteja de viagem para o Ceará, onde vou rever os meus e, aproveitando uns cobres provenientes da venda de 3 quadros meus no Salão deste ano, pintar alguma coisa. Abrace ao Santiago e aos demais patrícios. Diga ao Santiago que pelo outro correio escreverei. Há dias, Portinari, te enviei um disco gravado por mim, recebeste? As lembranças que enviastes em tua carta, eu as transmiti e retribuem. Abraços do Leite