Letter

CO-1441 Costa, Waldemar da. [Carta] 1950 set. 15, Vila do Conde, POR [para] Candido Portinari, [Paris]. 4 p. [manuscrito] Meu caro Portinari Terás tu trabalhado nesse ideal nacionalista que ultimamente tão forte se tinha manifestado em ti? Terei eu p prazer de ver esses teus últimos trabalhos? Como vês, começo por uma série de pontos de interrogação, e como queres que assim não seja, se eu pretendo adivinhar e prever o futuro, esse grande mistério da vida! Ainda não obtive resposta a um postal que te enviei, mas também não admira, visto que, nestes tempos últimos, deves ter tido grandes distrações. Eu, meu caro, cá estou na grande aldeia de Portugal, num cantinho ensoalhado e florido, onde o sossego é quase absoluto e o bem estar completo. Lembro-me com saudades da vida desorganizada que aí levamos e que tanto concorre para a nossa transformação artística. Continuo imperturbavelmente marchando dentro do caminho por mim traçado e que me parece não ser errado. Contudo, nestes últimos trabalhos, não sei se melhorei, pois a paisagem e o meio ambiente são tão poderosos, aqui, que há uma transformação tão forte, que nos deixa um pouco desconcertados. Espero, agora, como esteja já ambientado, recomeçar com o mesmo entusiasmo que trouxe quando daí vim. Sigo, agora, para Coimbra, terra de tradições e de incomparáveis belezas, e perto irei pintar a terra de meu pai, crendo que farei uma [ilegível] coisa, pois que a lembrança dum ser querido, às vezes, dá-nos a força que a nós, sós, carece. Ultimamente tenho estado a ler um livro do Guglielmo Ferrero, nome com certeza por ti conhecido, visto ter ele estado no Brasil; “Entre les Deux Mondes” é o título do livro em que trata da personalidade, digamos assim, dos dois continentes – a velha Europa e a jovem América. Começa pelo elogio ao Rio de Janeiro e tem me interessado porque faz ver as Américas pelo lado prático e industrial, e também financeiramente, sendo essa a grande lição que esse jovem continente deu à [ilegível] Europa. Esse senhor Ferrero deve vir a Portugal este ano, neste mês, e vem me procurar, caso eu esteja em Lisboa, pois vem acompanhado de uma senhora francesa, que conheço, e, ambos, pouco ou nada conhecem de Lisboa. Tens tu visto a rapaziada amiga? O Jobim já está outra vez em Pais? Responde-me às interrogações e diz-me mais coisas, dando assim a certeza que essa mútua simpatia não se extinguiu. Saudades do amigo Waldemar Avenida da República 39 Lisboa Portugal 2