CO-264
Andrade, Mário de. [Carta] 1938 maio 23,
São Paulo, SP [para]
Candido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 4 p. [manuscrito]
Portinari
Fiquei contente com a presença da sua carta. Tenho sofrido bastante e o carinho dos amigos verdadeiros é necessário, em tempo assim. Ah, que vontade de largar tudo, ir-me embora desta terra que não me quer! Mas não pode ser e tenho que agüentar.
O que se passou e se passa não se conta por carta, é muito comprido. Quando nos encontrarmos um dia, você saberá.
A idéia de um álbum de quadros seus de cavalete é ótima. Mas não deixe de botar umas duas ou três tricromias, é tão importante pra se conhecer na verdade um pintor. Ontem enfim, passei o dia rearranjando este meu estúdio e coloquei a “Colona Sentada” e a “Composição” nas paredes. Ficou tão lindo que passei o dia todinho no quarto, gostando de viver, olhando os quadros, os marfins, num silêncio amoroso, cheio de belezas companheiras.
Não sei si já contei pra você, creio que não. Íamos fazer uma coleçãozinha de livrinhos populares sobre pintores e escultores. Começava com um Aleijadinho, vinha depois um Miguel Anjo, um Cézanne etc. Eu iria fazer um sobre você. Agora, com a mudança, temos que desistir disso, desgraçadamente.
Fiquei contente de saber que você começou os painéis da sala de jantar, estou louco pra ver isso. Mande sempre contar a marcha dos trabalhos. Ah! Ia me esquecendo, no corte dos meus dois afrescos, a “Mão” e o “Índio”, si for possível, mande separar um do outro. Já estou sonhando onde os colocarei...
Estive outro dia vendo os quadros que irão pro Salão de Maio. Incontestavelmente falta você e isso é uma falha danada. O estriquinina brigando com toda a gente, coitado! Creio que essa importância dele deriva da tísica. É raro tuberculoso sem malvadez de alguma espécie. Chego a ter dó dele. É mesmo um sujeito pretensioso e bem ruinzinho.
O novo prefeito vai ocupar o grande Salão de Artes Plásticas, que estava se construindo debaixo do novo viaduto, com repartição pública. Ficaremos pois temporariamente, por uns três anos, me disse ele, sem salão. Isso me faz sofrer como o diabo. Queria tanto dar aos artistas um bom lugar grátis pra exposição e não poderá ser por enquanto.
Vou começar um romancinho, só pra disfarçar mais desta vida que anda inquieta. E é só.
Um grande abraço grato a você, companheiro bom. Lembranças pra Maria, Olga, Murilo, Roberto, Bianco, Mme. Blank e filha, Manu, pra todos os bons.
Mario