CO-313
Andrade, Mário de. [Carta] 1941 set. 7,
São Paulo, SP [para] Candido Portinari,
Washington, D.C. [datilografado]
Portinari querido,
Sua carta me deu um alegrão. Andava meio desconfiado, não recebia nenhuma notícia de você, nem cartão de despedida nem nada. Mas imaginei logo que era a afobação da partida e não senti. Enfim chegou sua carta e me repôs em minha felicidade.
Mande sempre contar como estão se passando as coisas com você aí, pois você bem sabe a minha torcida. Mas veja si desta vez consegue economizar alguns cobrinhos, pra guardar depois, comprar alguma casa, coisa assim. Sempre penso muito em você, e me preocupa essa sua situação de gastar tudo quanto ganha, sem pensar no dia de amanhã. Bom, não quero “passar pito”, que você sabe muito bem o que deve fazer da sua vida. Aqui já vendi mais umas poucas de pontas-secas, mas estes paulistas estão bestas. Depois se queixam! Também é verdade que tem havido muita exposição e a nossa terrinha está brilhante. O Bianco fez uma exposição, mais bonita que boa, mas foi muito atacado, não quiseram aceitar a mocidade dele, fiquei zangado e defendi o rapaz. Depois veio um portuga sobrerrealista, bastante errado e cheio de cartas de recomendação. Escrevi um artigo puxado a sustância sobre ele, mostrando tudo em que ele estava errado, mas sempre com muita seriedade e delicadeza. Ele acabou entregando os pontos, em certas coisas de doutrina, e não se zangou, felizmente – tropa da boa-vizinhança... Agora é o Clovis que está com exposição aberta de desenhos e monotipias, esta, já uma exposição muito boa. Você tinha razão quando me chamou a atenção sobre o Clovis, uns três anos atrás, o rapaz tem talento mesmo. No quadro a óleo, ainda acho muito irregular o que ele faz, tenho a impressão que ele ainda não se firmou bem nos pés; mas nas monotipias, e principalmente nos desenhos, fortes, vibrantes, já conseguiu muita coisa.
E além das exposições, há muitas intrigas. Briguinhas de comadres, uns espinafrando os outros, uns invejando os outros, não me meto e me divirto. Mas enfim a coisa vai indo, com muito mais entusiasmo que no Rio. Imagino o Rio sem você, como deve estar nas artes plásticas! Eu, além de certas coisas de doença e dentes que me infernizam a vida, vou marchando cheio de trabalhos. Em outubro lhe mandarei as minhas Poesias que estou editando agora, pra você ter um ventinho de
Brasil aí no seu apartamento de hotel. E Maria como vai? E o João Candido? Maria que tome muito cuidado com ela, pra não acontecer desta vez, como da outra. E dê lembranças minhas ao Hanke, quando estiver com ele.
Bem, amigo, até breve. Me recorde muito afetuosamente a Maria e Dês projeta o João Candido. A você, o mais apertado abraço deste sempre,
Mario