A bica (1999) coloca em diálogo, de maneira exemplar, as duas tradições que informam a obra de Marepe: a história da arte do século 20 e as práticas populares de seu contexto de origem, o Recôncavo Baiano, região onde nasceu e vive. O título da obra evidencia seu significado: ao anexar um instrumento de coleta ao telhado, espera-se que as águas da chuva transformem a escultura em vertente. O vínculo deste trabalho com um fenômeno natural e seu tempo de espera encontra referências na realidade vivenciada pelo artista no interior da Bahia, na medida em que traduz as incertezas e anuncia soluções associadas à escassez de água. A possibilidade de contemplar A bica sem água sugere, no entanto, aproximações com a produção dadaísta do início do século 20, sobretudo com A Fonte (1917) de Marcel Duchamp (1887-1968), em que o objeto deslocado de seu contexto original encontra-se desprovido de função no âmbito utilitário. A estratégia do ready made, porém, enriquece o objeto conceitualmente ao transmitir uma alegoria do contexto ao qual se refere. A alusão à moradia e às estratégias de sobrevivência é tema recorrente na obra de Marepe em obras como a série de Embutidos (1999) e O telhado (1998).
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