O painel conhecido por "Nossa Senhora da Vida" é uma das obras mais importantes da coleção do Museu Nacional do Azulejo e uma das peças fundamentais da produção portuguesa do século XVI. Esteve originalmente aplicado na igreja de Santo André, em Lisboa, parcialmente destruída pelo Terramoto de 1755 e demolida em 1845. Foi pintado em trompe l’oeil com uma paleta de grande quantidade de tonalidades, sendo uma das mais ricas que pode ser encontrada na azulejaria da época. Simulando uma composição retabular de três registos, disposta sobre uma superfície de 1.498 azulejos, apresenta ao centro uma pintura com a "Adoração dos Pastores", a qual procura imitar uma tábua pintada, com uma fina moldura de talha dourada. Em fundo, uma representação enevoada de Belém dá-nos a perspetiva. Quatro colunas ladeiam dois nichos em que se observam as imagens dos Evangelistas São João e São Lucas, representadas como esculturas. A coroar o conjunto observamos a simulação de parte de um tondo ou medalhão que invoca as peças cerâmicas italianas dos Della Robbia, tendo no interior a cena da "Anunciação", diretamente inspirada numa gravura de Giovanni Jacopo Caraglio (c. 1505-1565), realizada a partir de uma pintura de Ticiano, hoje desaparecida. A autoria deste retábulo tem sido atribuída a Marçal de Matos, pintor de azulejos ativo na época, de que não se conhece qualquer obra, e que poderá estar relacionado com outro artista coevo, Francisco de Matos, responsável pelo notável conjunto da capela de São Roque, assinado e datado de 1584, na igreja com a mesma invocação, em Lisboa. Observando este painel, é possível entender um dos aspetos identitários da azulejaria portuguesa: a sua relação direta com o espaço de aplicação. Efetivamente, a área atualmente vazia, ao centro do painel, correspondia, na Igreja de Santo André, a uma janela que, ao permitir a entrada da Luz, sublinharia, a um nível simbólico, o caminho que a Pomba do Espírito Santo utilizou para chegar até Maria. Este conceito de associar a arquitetura à mensagem que se pretende transmitir é um dos aspetos centrais da produção portuguesa, distinguindo-a da azulejaria produzida noutros locais. Também na função catequética, a que a monumentalidade e encenação da composição conferem uma poderosa expressão, este painel é paradigmático da azulejaria portuguesa enquanto arte destinada ao revestimento integral de arquiteturas e dotada da capacidade de as transformar.