TUDO O QUE O MEU CORPO SENTE É PENSAMENTO
A frase de Fernando Pessoa parece uma divisa para o trabalho da artista brasileira Lygia Pape, como para os seus parceiros Lygia Clark e Hélio Oiticica. Esta geração, que nasceu para a arte com o neoconcretismo brasileiro de finais da década de cinquenta tinha, nas palavras de Oswald Andrade, uma energia que permitia converter em corporalidade a tradição da arte abstracta ocidental, reenquadrando-a na especificidade do universo tropical, na vernacularidade brasileira. Para Lygia Pape não há distinção entre figuração e abstracção, entre racionalidade e expressão, entre corporalidade e conceptualidade. Tudo é engolido na voragem antropofágica da cultura brasileira e tudo pode ser regurgitado desde que a sensualidade surja inteligente à flor da pele.
Esta erótica do conceito está presente em todos os momentos do seu percurso, desde a forma como apropria as linguagens da abstracção para as converter numa gramática da cor, que cedo se combinará nas suas pinturas e esculturas com texto, como virá a desenvolver- se de formas muito diversas ao longo das décadas de setenta e oitenta.
No final da década de noventa, Lygia Pape realizou um conjunto de trabalhos em torno da memória Tupinambá, a grande federação de tribos autóctones que ocupava o litoral brasileiro. O vermelho é a cor que une estes trabalhos, por vezes também as penas, no caso das esculturas ou das instalações. Este vermelho denso e sanguíneo surge, numa fotografia pintada, como um manto, ou uma nuvem que envolve o Rio de Janeiro. Num poema da mesma altura, a artista escreveu:
que manto?
que manto
TUPINAMBÁ
a qui
peñas macias
rubras
rubra-sangre
in
rituals
moqueados
GUARÁ
em
CUNHAMBÉBE
em
ombro
leque-peña-voo
antropofágica
mente
engole
espírito e carne
TOGETHER
É esta união antropofágica que esta mesa celebra. É esta erótica da carne, que também é do espírito, mergulhados na história profunda do Brasil, sabendo que a sua especificidade é a sua universalidade.
Há uma antropologia profunda no trabalho de Pape.
Delfim Sardo
Tem interesse em Visual arts?
Receba atualizações com a sua Culture Weekly personalizada
Está tudo pronto!
O seu primeiro canal Culture Weekly chega esta semana.