UMA TEORIA SENSÍVEL DA PAISAGEM
As duas pinturas e o desenho de Michael Biberstein que pertencem à Colecção da Caixa Geral de Depósitos são uma única obra, concebida para uma instalação que o artista efectuou em 1991 no Museu Nacional de Arte Antiga em diálogo com uma pintura da colecção do museu, um naufrágio de Claude-Joseph Vernet (1714-1789).
A pintura do francês é a cena de um naufrágio, com todos os ingredientes dos códigos da pintura do Ancien Régime: numa jangada, os sobreviventes da tragédia enfrentam a fúria do mar, mas há uma réstia de esperança na falésia da praia onde existe um abrigo, uma velha ruína. O centro do quadro é ocupado por uma massa negra, um rochedo ameaçador representado de uma forma quase abstracta, contra o qual o navio terá encontrado a sua sorte.
É a partir desta configuração histórica da figuração do naufrágio – com os seus sinais de perigo e salvação, tão próximos do curso da História – que Biberstein desenvolveu o seu projecto. A escala das suas pinturas é impressionante, são espaços líquidos onde o olhar do espectador se perde, onde fisicamente podemos mergulhar. A pintura horizontal, monumental na sua escala, é uma enorme tela que não corresponde, de facto, à representação de uma paisagem. Mais do que isso, a pintura comporta-se como uma paisagem perante nós: podemos percorrer o quadro, fisicamente, caminhando e encontrando a nossa distância. A pintura vertical é um monólito, equivalente à massa negra que ocupa o centro do quadro de Vernet.
O que é mais interessante na pintura de Michael Biberstein é que, ao contrário do que acontece na maior parte da pintura histórica, não nos indica para onde olhar. Nos espaços fluidos que se afirmam perante o espectador, nas massas de negro ou nas transparências subtis e luminosas, não há nenhuma indicação do lugar para onde a nossa atenção se deva dirigir.
No meio da sala é colocado o desenho, numa mesa. É um mapa de uma ocorrência e estabelece uma relação que cabe ao deambular dos nossos passos pela sala decifrar.
É, portanto, uma teoria sensível da paisagem o que Biberstein nos oferece. Não é explícita nem demonstrativa. É uma insinuação dirigida aos nossos sentidos, repleta de remissões para outras imagens que conhecemos da história da pintura, mas também dos momentos em que o nosso corpo reage perante as imagens que forma. É isso, a imaginação. Formar imagens. E estas pinturas são ecrãs nos quais elas se projectam.
Delfim Sardo