Espelho Partido

Peça essencial da primeira fase da maturidade do pintor, conjuntamente com Costureiras da FCG/CAM de 1949, ela exprime peculiar evolução interna dentro de uma prática neorrealista. Para trás ficava um exercício de desenho empenhado, plástica e ideologicamente em deter a realidade que convoca agora numa memória distanciada. As suas mulheres deixam de ser exclusivamente camponesas ou operárias – que no entanto podem continuar a ser – transmutando-se em signos maneiristas, estilizados e Col. MNAC – Museu do Chiado a-históricos que não pretendem narrar a injustiça – repto imediato dos "significados" neorrealistas – mas abrir o espaço indeterminado dos gestos interrompidos. Neste caso, a mitografia do espelho, metáfora imediata do trabalho da pintura. Nesta deslocação temática, o pintor deslocava-se simultaneamente em termos plásticos, empenhando-se nos ritmos das cores e da invenção de falsos volumes nas superfícies lentamente contornadas, organizando rimas, breves interrupções e simetrias como se evocasse uma situação inicial pré-renascentista em que o espaço da tela inventa e dissimula a sua planimetria. O trabalho aturado da matéria, a sobreposição escorrente de timbres e tons são a qualidade mais destacada desta obra que terá conduzido o autor ao gosto do pleno do volume que a carreira seguinte de ceramista confirmaria. (Raquel Henriques da Silva)