No Calvário, Cristo surge crucificado entre o Bom e o Mau Ladrão, acompanhado na dor pela Virgem desfalecida, Madalena, S. João e uma santa mulher. À multidão de guardas e carrascos, acrescem ainda as cenas do transporte da escada, à esquerda, e o enforcamento de Judas, em escala miniatural à direita, acompanhado de um pequeno diabo que lhe leva a alma. Na predela, as cenas alusivas a Cristo Perante Pilatos, Descida da Cruz e Descida de Cristo ao Limbo dão ao retábulo a dimensão temporal, narrativa, do ciclo da Paixão.
A cruz de Cristo inscreve-se sensivelmente no centro da composição, numa posição frontal e num plano mais próximo ao do espectador, enquanto as do Bom e do Mau Ladrão se afastam ligeiramente – uma mais do que a outra – e se dispõem em diagonal. Esta organização dinâmica da composição é reforçada pela expressiva contorção da figura do Mau Ladrão, que vem contrariar qualquer ideia de simetria do campo figurativo, no terço superior, e acentuar a tensão dramática em toda a zona direita da pintura. O mesmo sucede com a organização dos núcleos formais das personagens que assistem ao acto.
Além do limite definido pela cruz, e através do escalonamento de baixo para cima, coadjuvado pela presença dos cavalos e pela representação da cena alusiva à repartição do manto de Cristo, que permitem diferentes colocações da forma no plano, representa uma muralha de rostos e de lanças, cujo limite faz recortar na luz intensa do céu, mal deixando entrever, à esquerda, a cidade distante de Jerusalém.
Através da relação luz-cor, isto é, dos efeitos vibrantes da luz sobre o vermelho, o amarelo e o verde, que se distribuem com sucessão rítmica pelas figuras dos primeiros planos, espacializa a forma de modo contínuo, e modela os volumes com a plasticidade que lhe é habitual.
Dalila Rodrigues