ÉPICO DELICADO
Já quase ninguém se lembra, mas em 1984 havia um grande movimento de regresso à pintura no Brasil, seguindo uma importante mudança na arte europeia. Em Itália, o movimento ficou conhecido por Transvanguarda, expressão cunhada pelo crítico Achille Bonito Oliva num livro (A transvanguarda italiana) publicado em 1980, como na Alemanha o novo expressionismo dos artistas da Junge Wilde fazia ressuscitar uma épica irónica do romantismo. No Brasil, um grupo de artistas, sistematicamente identificado com a Transvanguarda (era assim que a imprensa a eles se referia), fazia uma pintura expressionista e heróica, num processo de retorno à pintura que quebrava com a influência da geração de artistas nascidos no neoconcretismo brasileiro do final da década de cinquenta.
Um destes artistas era Leonilson e esta é uma das obras significativas desse período que voltava a ligar a arte do Brasil à arte europeia.
Desta fase, Leonilson viria a transformar o seu trabalho num processo muito delicado, no qual o desenho (sobre papel e em bordados) iria assumir uma delicadeza muito peculiar, numa quase poesia visual via desenho. A dimensão épica transformar-se-ia numa expressão lírica, com os corpos a metamorfosearem-se em pequenas alegorias nas quais o uso da palavra acentua a poética que neles flutua.
A sua morte prematura interrompeu este percurso em direcção a uma intimidade melancólica, mas a sua poética seria marcante no contexto da geração de artistas que começou a afirmar-se no início da década de oitenta.
Delfim Sardo