"Aproximadamente em 1958, uma hérnia de disco, provocada pela suspensão de um quadro no cavalete, obrigou-me a trabalhar quase que exclusivamente no ateliê. Seja por essa razão ou por motivos inconscientes, meus quadros começaram pouco a pouco a mergulhar na sombra. O céu das paisagens tornou-se azul-escuro, negro, dando ao quadro um conteúdo de drama. Surgem, então, os carretéis sobre a mesa, depois no espaço. Os carretéis são reminiscências da infância. São combates dos pica-paus e dos maragatos que primo Nande e eu travávamos no pátio. Eles estão impregnados de lembranças. Pelas estruturas de carretéis, cheguei ao que se chama, no dicionário da pintura, arte abstrata."
CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 134.
"[...] em 1956, um acidente põe fim à carreira de paisagista de Iberê Camargo: aparece-lhe, em conseqüência, uma hérnia de disco na coluna. Sem mais poder deslocar-se a grandes distâncias com o cavalete e a caixa de tintas, recolhe-se ao ateliê e passa a pintar apenas os objetos possíveis neste universo limitado. [...]
[...] Agora, diante de um cenário simples, de formas definidas, longe da profusão da natureza, sua linguagem ganha maior autonomia, a composição se torna mais clara e construída. E talvez tenha sido essa necessidade de ordem e construção que o leva a escolher o carretel como tema e módulo da composição de uma gravura: reduzida à bidimensionalidade, a forma do carretel se repete de maneira ordenada, horizontal e verticalmente, com uma ou outra variação que funciona como nota dissonante – ruptura do equilíbrio – na composição. É assim que ele encontra o tema que irá ocupá-lo por mais de vinte anos e que, de objeto industrial, tornar-se-á, pela força de transfiguração e de identificação do artista, ser vivo, signo e símbolo de todas as suas vivências e inquietações."
GULLAR, Ferreira; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 14-16.