CO-707
Bianco, Enrico. [Carta] 1952 out. 23, Roma [para]
Candido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 2 p. [manuscrito]
Caríssimo Maestro
Li, no “O Globo”, a notícia do convite que lhe fizeram para executar os murais para a O.N.U. e fiquei satisfeitíssimo. São dois muros esplêndidos nas dimensões e já estou curiosíssimo para ver os seus croquis.
Imagino que o senhor deva estar trabalhando muito já que, quando eu parti, ainda estavam para serem feitos os quadros para a Catedral.
A nossa viagem é um verdadeiro sonho porque, além das coisas portentosas que a gente vê todo dia, o tempo tem estado ótimo, fresco e sempre com sol. Praticamente não paramos; a não ser um período de descanso na Calábria, fomos palmilhando o sul, o centro e o norte da Itália, cidade por cidade, igreja por igreja, museu por museu. O clima tem me feito um bem extraordinário, tenho um apetite formidável e, mesmo guiando às vezes dias inteiros, não sinto o menor cansaço. Enfim, uma verdadeira estação de cura física e mental. Agora, para falar com sinceridade, tenho muita vontade de voltar, não falo por motivos sentimentais, que aqui na Itália os teria de sobra, mas porque nas bandas daí a gente pode se concentrar mais; há menos distrações para quem quer trabalhar; enfim nós estamos, no Brasil, mais na atmosfera do quatrocento, com as mesmas falhas sociais e materiais, mas com aquele mesmo desejo de construir e de afirmar o que a gente vê nos monumentos das cidades da Renascença.
A Europa de hoje é ainda, no fundo, a continuação daquela estéril procura de renovação, que começou no oitocento e em que a preocupação dos detalhes fez perder a noção do conjunto. É verdade que são detalhes refinadíssimos e inteligentes, mas são sempre detalhes. Enfim, a mentalidade é outra e eu tenho grande respeito a tudo que eles fazem e pensam, mas defendo com unhas e dentes a nossa chance de começar do nada, plantando o nosso campo com o nosso trigo, como deve ter feito nos seus bons tempos o caro Duccio di Buoninsegna e colegas.
Se Deus quiser, na próxima semana, iremos de carro para Paris, para uma brevíssima estadia, o tempo necessário para ver as coisas mais importantes. Estaremos de volta para Roma a meados de novembro, já que a nossa volta está marcada para o dia 25, no “Augustus”. Se o senhor precisar de alguma coisa é só escrever. Afetuosas lembranças minhas e de Marina a Dona Maria a ao João e receba um grande abraço do
Enrico
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