CO-308
Andrade, Mário de. [Carta] 1944 out. 25,
São Paulo, SP [para] Candido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 2 p. [manuscrito]
Meu querido Portinari
Acabo, neste instante, de receber sua carta e as fotografias. Que coisas admiráveis, puxa! que força plástica e que drama espiritual. Eu creio que vou mudar bastante a relação das fotografias pra Losada. É impossível não acentuar com fotos numerosas a sua fase presente. Quando tudo estiver pronto consultarei você.
Sua carta chegou na horinha. Hoje mesmo publiquei aqui, na minha seção da Folha da Manhã, o que eu chamei “Esboço para um Portinari em Castelhano”. É a parte final do trabalho pra Losada, e procurei descrever a sua evolução através das fases principais da sua obra. Publiquei pra fazer experiência, ver o que dizem os nossos amigos, si acham bom ou fraco.
Mas sua carta me consolou e me reafirmou em mim. Vejo que ela concorda com o que eu penso a respeito das suas fases mais recentes. Eu sei, Portinari, que você sofre a vida como está. Eu sei que você não é nenhum conformista e si você estivesse aqui eu lhe mostrava agora mesmo as diversas passagens do meu trabalho em que eu insisto nisso. E os que não percebem isso e não entendem o sentido humano e profundo da sua obra, é porque têm má vontade, e não querem entender nem perceber. Mas isso, meu querido amigo, você tem que aceitar. Ninguém é forte e de grande valor, sem ter a cachorrada lhe ganindo no calcanhar, inimigos, frouxos e despeitados. Não se amole com eles e continue na sua obra. Você está certo. Não precisa combater com os mexicanos, não. Combatem, são nobres, também, merecem todo o nosso respeito e entusiasmo. Mas não há dúvida que, na exacerbação do combate, enfraqueceram a qualidade plástica das obras deles que se ressentem de um desequilíbrio forte entre valor plástico e valor espiritual. Não é preciso isso. Não era preciso tanto. E tenho a certeza que você está mais certo, no seu poderoso equilíbrio.
E é só por hoje. Dentro duns quinze dias vou lhe mandar o trabalho. E então lhe escreverei outra vez. Lembrança muito afetuosa pra Maria e que Deus abençoe o nosso João Candido. Com o abraço mais amigo do
Mario