CO-282
Andrade, Mário de. [Carta] 1943 dez. 13,
São Paulo, SP [para] Candido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. [manuscrito]
Portinari
Recebi suas duas cartas, contando a operação de Maria, e a de ontem. Eu estou completamente desanimado. Não sei que olho malfadado bateu nesta vida e me deixou no que estou. Doente, doente, doente desde janeiro, passei um ano inteiro praticamente sem fazer nada. O estudo sobre você que devia ser entregue à editora em fevereiro, até agora não escrevi nenhuma linha! É verdade que tenho muitas notas tomadas, mas quando penso que passei um ano inteiro sem poder trabalhar, sem pôr pra diante nenhum escrito, fico desesperado. E os compromissos estão se ajuntando cada vez mais e não posso dar conta de nenhum neste estado em que estou. Francamente nunca tive que agüentar sacrifício tamanho de mim mesmo.
Suas cartas vieram me encontrar de cama outra vez. Agora descobriram “a mais”, que eu tinha uma úlcera no duodeno, o que a radiografia confirmou. E fui obrigado a reentrar nesta cama, condenado a um mês de imobilidade, imagine, e só passando a leite e poucas coisas mais. Estou fraquíssimo e provavelmente depois deste martírio terei que tirar algum mês pra me fortificar. Larguei de tudo, conservatório, trabalho do Serviço do Patrimônio, tudo. Estou muito desanimado da vida e não sei como vai ser isto. Enfim, será o que Deus quiser...
Faça uma visita muito afetuosa a Maria por mim, e guarde este abraço fiel do
Mario