CO-1488
Carta, 19--, s.l.] [para] Candido Portinari, [Rio de Janeiro, RJ]. 2 p. [manuscrito]
Caríssimo mestre:
Quando alguém me contestava, dizendo: - mas, na vida também existe o belo! Será que o Portinari só se deixa impressionar pelo horrível? -, o que eu respondia sempre é que, por sentir muito o belo, a beleza da vida, é que Portinari pintava o feio...
As suas figuras angulosas e suas tintas brilhantes eram, para mim, a angústia de quem sente a beleza dentro de um mundo feito triste pelo homem.
- Portinari pintando torto e com arte representa o desespero dentro de um mundo que poderia ser belo, sem dor e sem miséria.
E, por isso, eu dizia: Portinari representa uma época, a nossa época.
(Se você começar a pintar bonito, eu sou mesmo capaz de imaginar que a nossa época está querendo passar, quem sabe já poderemos ter esperança de olhar sem remorsos o belo, sem ouvir o eco das criancinhas a morrerem de fome e mães que enlouquecem)
Contudo, se a grita da dor for, ainda, grande, pinte feio, Portinari! Pinte horrível, pinte na ONU o homem clamando por justiça, o homem clamando pela dignidade humana.
E se pintar o belo, mostre também como é horrível que hajam criaturas a quem este belo é proibido olhar, fica vedado pela miséria e degradação humanas, impostas pelo egoísmo incrível de alguns tantos.
Pinte também a dor das mães diante das guerras.
E pinte tudo isso porque há bem poucos capazes dessa tarefa ainda.
O nome, que importa?
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