UMA ESTRANHA ERGONOMIA
Por vezes, as esculturas de Rui Chafes são objectos malsãos, violentas intuições de martírio, de sacrifício e morte. Frequentemente não hesitam perante a possibilidade decorativa de um corpo transformado, seja pelo massacre, seja pela violência intuída de uma prótese, seja através do lirismo obtido pelo paradoxo da flutuação de um peso que parece imenso. As obras de Chafes possuem uma poderosa capacidade de construir universos que, mudando a nossa relação afectiva com o espaço e o corpo, nos confrontam – até porque, como substitutos de corpos que são, como prolongamentos de membros, armaduras ou máquinas com uma estranha e perigosa ergonomia, são “outros” de nós próprios no espaço.
Rui Chafes produz esculturas em ferro, o que faz do seu trabalho um caso raro no contexto da criação escultórica contemporânea, já que a maior parte dos artistas trabalha com uma enorme diversidade de processos, materiais e técnicas. Ao contrário desta tendência no sentido da generalização, da ideia de arte em geral, ou de arte em sentido amplo, Rui Chafes optou, como um programa estrito, por desenvolver todo o seu percurso a partir de um uso de “monomaterial”, encontrando, desta forma, uma efectiva especialização na maleabilidade do ferro, nas suas características específicas de peso, bem como na possibilidade da permanente evocação alquímica da forja.
Existe por isso nas suas esculturas um halo de desajuste, de beleza obsoleta, o que as transforma em estranhas criaturas, ortóteses belas e perigosas, prolongamentos hipotéticos de corpos que desconhecemos, mas que se relacionam, de uma forma dúbia, com o nosso.
Delfim Sardo