| Opinião de Raça
A ministra e o cartão corporativo
afastado por impeachment e saiu preso do
Congresso Nacional, "coincidentemente",
um negro, Celso Pitta.
O atual governo federal tem sido cam-
peão em
em investigações envolvendo seus
auxiliares. Bastou apenas uma suspeita de
uma viagem para orar com dinheiro públi-
co, para que a ex-governadora e ministra
Benedita da Silva fosse banida do governo
e quase da vida pública brasileira, sem di-
reito sequer de se defender, posição muito
diferente da adotada com os vários brancos
E
m nosso país sempre quiseram
associar o racismo à questão de
classe. É muito comum nos dias
de hoje dizer que, se o negro es-
tudar e prosperar na vida, a discriminação
acaba. Em um período não muito distante,
nos anos de chumbo, quando as diferenças
ideológicas entre direita e esquerda eram
mais acentuadas, ouvíamos com freqüên-
cia dos companheiros de esquerda a se-
guinte frase: "No dia em que a revolução
vencer e construirmos uma sociedade mais
justa e igualitária, o problema do racismo
acabará Em contrapartida, ouvíamos da
direita que esse mal só teria fim no dia em
que o negro tivesse dinheiro e status para
comprar tudo, inclusive a consciência dos
racistas. Enquanto a utopia da revolução
ou do enriquecimento que compra cons-
ciências não chega, continuamos sendo
indistintamente discriminados, seja qual
for nossa posição ideológica ou cargo que
ocupemos neste País.
Por Mauricio Pestanas
que posteriormente foram
acusados de corrupção Por que será que não
envolvendo milhões. To- foram concedidas as
dos tiveram pleno direi-
mesmas manchetes e
to de se defender, serem
julgados sao bom tempo e
gosto da justiça brasileira,
e em alguns casos acaba
ram obtendo mais poder
do que tinham antes das
acusações. A bola da vez
desse tratamento desleal
racista da elite brasileira
tem sido a ministra Matil-
de Ribeiro, da Secretaria
Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade
Racial-Seppir
o mesmo espaço para
falar, por exemplo, de
outra negra, a do Meio
Ambiente, Marina Silva
ou ao ministro Gilberto
Gil, que recentemente
no Canadá foi
homenageado como
melhor ministro da
Cultura do mundo?
A face mais perversa desse racismo é ex-
posta quando essa elite majoritariamente
branca, acostumada a ocupar todos os es-
paços privilegiados dos quais se acha dona
por direito, vê suas posições ameaçadas ou
ocupadas por negros. Ai, sem disfarçar e
muitas vezes com requintes de crueldade,
tenta nos punir com o o que há de mais sor-
dido, que é questionar a posição ou atitude
que teoricamente poderia ser exercida so-
mente por brancos. Os exemplos vão dos
mais banais, como a polícia parar um negro
em um carro de luxo, que habitualmente
seria ocupado por um branco, até o desres-
peito às autoridades públicas negras.
Em que pese o gasto demasiado da mi-
nistra em seu cartão corporativo, o que
queremos refletir aqui é a forma como ela
tem sido julgada, não pelos costumeiros
milhões de verbas públicas a que assisti-
mos todos os dias nos noticiários, até por-
que isso nem seria possível uma vez que
sua secretaria conta com um dos menores
orçamentos da União, abaixo, inclusive, de
várias estatais, mas a ministra está sendo
julgada por gastar o seu cartão com alu-
guéis de carros e despesas em hotéis de
luxo e viagens, benefício permitido ape-
nas à elite branca neste País. O que mais
deprime no racismo tupiniquim é que não
se queira refletir que na maioria dos hotéis
A história recente do País tem mostrado
tratamentos diferentes quando o acusado
é negro. Por exemplo, em São Paulo, vários
foram os prefeitos e até governadores acu-
sados de desvio de dinheiro público; entre
eles houve inclusive quem pregasse o slo-
gan "roubo mais faço". Todos foram inves-
tigados, todos negaram e somente um foi
*Mauricio Pestana é Presidente do Conselho Editorial de Raça Brasil. Email: pestana.raca@escala.com.br
e dos lugares onde a ministra tem gasto
seu cartão o negro só consegue entrar ou
como servical ou na condição de ministro,
e, se se encontrar na segunda posição, es-
tará cumprindo um papel social que é o de
disfarçar a vergonhosa exclusão em que es-
tamos metidos neste País subdesenvolvido
até na forma de expressar seu racismo.
A maioria dos lugares onde, segundo
as denúncias da imprensa, a ministra tem
gasto seu cartão realmente só são fre-
qüentados pela elite branca, o que logo
nos faz levantar a dúvida, a
nos causar indignação
as denúncias se devem ao
gasto do dinheiro público
ou à presença de uma mu-
lher negra em um espaço
branco dessa sociedade?
Por que será que não fo-
ram concedidas as
as mes
mas manchetes e o mes-
mo espaço para falar, por
exemplo, de outra negra, a
do Meio Ambiente, Marina
Silva, que teria tido o me-
nor gasto entre os minis-
tros? Por que será que não
se dá o mesmo espaço que
se deu, e com todos os méritos, quando o
governador José Serra foi intitulado como
melhor ministro da Saúde do mundo, ao
ministro Gilberto Gil, que recentemente
no Canadá foi homenageado como melhor
ministro da Cultura do mundo?
Se juntarmos o dinheiro da passagem
que derrubou Benedita da Silva e os gastos
do cartão de Matilde Ribeiro não dão um
milionésimo do que tem sido denunciado
de desvios de verbas públicas no Brasil nos
últimos meses. Porém, se juntarmos os des-
taques e as manchetes produzidos pelos
gastos da ministra no cartão dá a impres-
são é de que está em curso uma revolução
no país, e infelizmente não é na ética hipó-
crita das elites racistas brasileiras.