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Documentos do Arquivo Pessoal de Gilberto Gil

Instituto Gilberto Gil

Instituto Gilberto Gil
Brasil

  • Título: Documentos do Arquivo Pessoal de Gilberto Gil
  • Transcrição:
    te. - Mas aí já é uma outra visão do mer- cado. É uma questão de nicho, é a cesta básica. Quando você pensa numa cesta básica, você leva todos aqueles produ- tos para casa. Você não pode pensar em feijão sem pensar em arroz. A caixa tem um pouco isso, são produtos que com- põem um cardápio que dá um pouco o perfil de uma cozinha. O que é aquela cozinha, o que é aquela culinária? Se não for pra isso, se for pra dar o produto iso- ladamente, você perde esse foco e essa idéia de período histórico e essa idéia de relação entre a leitura que a música faze os signos daquela época. Essa coisa do conjunto dos erros e das imperfeições, que possibilitam você interpretar um aleijão e que te dão uma ideia do que é um aleijão perfeitamente configurado. Se você não tem o corpo inteiro, você não vai perceber que aquele corpo é todo torto e todo aleijado. O aleijão é como você quer mostrar. Então eu acho que a caixa é pra isso e é por isso mesmo que ela é uma caixa. É por isso que ela é mais cara, por ser um produto exigente. É por isso que ela se dirige a uma espécie de nicho de mercado. É como uma enciclopédia: por que é que você vai comprar um vo- lume ou um fascículo só? - Eu queria voltar um pouco à fase londrina. Você conseguiu assimilar me- lhor o exílio do que o Caetano. Pelo que você estava falando, musicalmen- te também? - Não, musicalmente eu acho que foi o contrário. Caetano ali, por exemplo, com o cuidado e o rigor que ele tem - sempre, em geral, muito maior do que o meu, na observação das coisas e na in- terpretação do real e da vida -, ele por exemplo foi estudar melhor a língua e trabalhar melhor as canções. Ele fez can- ções mais rigorosas, se deteve mais na- quilo que era o próprio produto. Quando ele foi fazer - como fez "Transa", por exemplo, ele fez um produto mais rigo- roso. Eu ficava por ali, pelas ruas de Londres e pelos lugares, perdido nas vi- agens de ácido e tal. Caetano era uma outra história, Caetano nunca tomou nada. Eu era maconheiro e tomava áci- do, então era uma outra história. gens? Não, gravações que pudessem re- fletir registros disso não.... - Mas tem umas que parecem! (ri- sos) Fumo, sem dúvida, porque mesmo depois daquilo tudo eu ainda fumei mui- ta maconha... pra várias coisas. - Você chegou a gravar nessas via- - Antes dos Mutantes, você já tinha tido experiência com ácido? - Eu tive a primeira aqui, minha pri- meira experiência com ácido foi com Lennie Dale. Ele dizia, naquela época: "Esse negócio de drogas, dizerem que faz mal! Eu prefiro morrer 20 anos mais novo do que poderia e ter todos os meus prazeres! Era um hedonista militante, mas eu acho que era isso. -Essa caixa, especialmente na par- te inédita, aponta muito para esta ques- tão de drogas. - Não tá orientada para a questão das drogas. A droga era um ingrediente en- tre tantos outros naquela cultura. Era um fetiche de época, era isso. Todo mundo, quem era “in” naquela época e estava "por dentro das coisas ou queria estar, tinha que fazer experiências transformadoras do estado de consciên- cia. Quer dizer, sair do estado comum de consciência para os estados transformários, através do que depois se passou a se chamar de droga - porque eu nunca achei que aquilo fosse uma droga, afinal maconha é erva. Essas coisas eram cultura da época. "Are You Experienced?" era o nome de um disco de Jimi Hendrix, quer dizer, era um ter- mo da época. “Você é experimentado? Você é experiente? Você já fez suas ex- periências? Você conhece o seu metier, você conhece o seu mundo, você conhe- ce os valores, você sabe o que é? Você já foi à Bahia?" (risos) “Não? Então vá!" Quer dizer, é um pouco disso. Era aqui- lo. Como é que você ia dizer na sua tur- ma como é que era o seu barato? O pes- soal ficava do teu lado, falando do bara- to etc, mas o que era o barato? Você ti- nha que viver, era uma questão de vivência. A droga era um dos ingredien- tes vivenciais daquela cultura, era a fer- ramenta para você saber do que se trata- va. Os livros do Timothy Leary e as vá- teorias incluíam até o açúcar ent as drogas. Era "Sugar Blues”, com as análises da macrobiótica fazendo todo o contraponto e toda a negação das dro- gas. Eu, por acaso, fazia as duas coisas: tomava ácido lisérgico e fazia macrobiótica! (rindo) - Quando é que você começou a achar que aquilo não fazia mais a sua cabeça? Quando não fazia mais! (rindo) Quando aquilo fazia mais ruído no meu corpo do que silêncio na minha mente! (rindo) Quando a maconha e congêneres começaram a mais ruído no corpo e me- nos silêncio na mente, aí eu parei e pron- to. Eu queria aquilo, tudo aquilo num primeiro período talvez eu gostasse mais... porque estava muito ligado na coisa, na cultura do rock e da ação e da realização de coisas. Talvez a droga no início tenha servido um pouco para esti- mulo, mais como estimulante de acele- ração mental . Mas já num segundo peri- odo, logo depois, num período mais hippie, a droga foi mais uma coisa de meditação e tal. A maconha ficou mais uma coisa pra provocar vazio, provocar silêncio e distanciamento, desaceleração e descompromisso com os afazeres. Era uma nenta de lazer e i assim que ela permaneceu depois, no final dos anos 70 e entrando pelo meio dos anos 80. Foi quando começou a pintar taquicardia e ficava complicado. Saca? Algum mal estar. Aí não me interessa mais, eu não quero... Pra quê? Pra mim essa viagem auto-destrutiva nunca foi a minha. Ao contrário, droga pra mim sempre teve que ser sinônimo de bem estar. Quando dei- xa de ser sinônimo de bem estar, deixa de interessar. - Fale algo sobre A Luta Contra A Lata Ou A Falência do Café. Ela chegou a ser lançada em com- pacto, não foi Marcelo? Foi ne? Saiu em compacto em São Paulo, era uma músi- ca da época da briga séria e eu tomei a briga com a sociedade e com o mundo estudantil. Enfim, era o início das diver- gências e do conflito do Tropicalismo com a coisa toda. E eu me lembro que estava em São Paulo, eu vivia em São Paulo naquela época. Eu resolvi pegar um aspecto residual do perfil civilizatório de São Paulo, que tinha sido a presença aristocrática: o aristocrata paulista, das famílias aristocráticas de São Paulo donos da terra e da produção do café. Aí o café entrou como o saco de alinhagem, que era o símbolo do produto. Era o in- vólucro, era a caixa, era a lata. O café ensacado era um grande produto de ex- portação com a marca do Brasil, com o mapa do Brasil e o Brasil escrito sobre o saco do café. Então essa associação, essa assimilação entre o resíduo do aristocra- ta paulista e o velho saco de café, em oposição à lata de café solúvel - uma nova embalagem, um novo produto in- dustrial, moderno e que portanto tinha uma semelhança com o Tropicalismo e com aquilo que nos representávamos pra turma do rock. Éramos os novos bárba- ros, querendo "invadir sua praia”. En- tão era uma briga pra mostrar isso, com as velhas gerações e os valores do pas- sado contra os valores novos. A lata sim- bolizava os novos valores e o saco de alinhagem do café simbolizava o mundo antigo. - E quanto à Bruxa de Mentira? - Isso foi feito pela rua, descendo a rua Jardim Botânico com João Donato. Estávamos caminhando à noite e ele fi- cou cantarolando a música. Fomos in- ventando a letra ali, na hora... - ... sob o efeito de alguma coisa, não? - Não, já nessa época não. Nesse dia por acaso a gente estava vindo da casa de um arquiteto amigo nosso, na rua Marqués de São Vicente ou em alguma daquelas ruas transversais. Iamos lá pra casa do João Donato, no Humaitá. É fai- xa de um disco dele que nos produzimos, com várias canções em parceria daquela fornada. Que Besteira também é desta mesma noite, nós fizemos três músicas nesta noite. - Existe a possibilidade de você vir a regravar alguma coisa deste materi- al? fôlego para não lançar disco novo? Você queria fazer o disco de Bob Marley. - Não, não é esse o papel da caixa. O papel da caixa não é mercadológico nes- te sentido. Dentro do ponto de vista do artista, não é aquela coisa de "a caixa substituir uma série de outros produtos que eu tivesse a obrigação de fazer". Não é, a caixa é nicho mesmo, é pra isso aí. É recuperação documental, é pergaminho, entendeu? É Museu do Tombo, sabe? São os "papéis do descobrimento", essas coi- sas, tem esse lado. É essa a função, não substitui o que você tem que fazer agora ou o seu compromisso com o futuro. Não dá pra substituir, essas caixas são o pas- sado. - Nessa garimpagem do Marcelo Fróes, eu suponho que do material ao vivo ele tenha deixado de fora versões de músicas que repetissem . Mas sobrou algum material inédito do material que ele pesquisou? Olhaí, com a palavra o Marcelo Diga aí, Marcelo MF - Uma única música, cujo autor nós não conseguimos identificar. ÉRato Miúdo, que nos chegamos até a mixar mas que, até o último minuto, não haví- amos conseguido definir quem fosse o autor. GG - Eu sempre supus que fosse do Jorge Mautner, depois supus que fosse do Carlos Pinto - lá de Juazeiro -, mas também não é. E eu não sei de quem é. O departamento jurídico aqui da companhia não quis correr o risco, né? Nós tería- mos até corrido o risco, mas pra eles poderia criar algum problema qualquer. - De que época que é e de que disco sobrou? MF - Foi gravada com a banda do Caetano, sobrou das sessões do compac- to Sítio do Pica-Pau Amarelo em dezem- bro de 1976. Temos Arnaldo Brandão no baixo, Vinícius Cantuária na bateria e Gil no violão Ovation. GG- É a Outra Banda da Terra, com a qual eu gravei aquele compacto que também tem Mauro Senise especialmente na flautin. - Como eram as condições de estú- dio na época? Era aqui, já em 16 canais quando eu saí. Os primeiros discos foram gra- vados em 4 canais no estúdio da Aveni- da Rio Branco. "Louvação" foi assim, com arranjos do maestro Carlos Monteiro de Souza, Dori Caymmi, Francis Hime e Bruno Ferreira, filho de Abel Ferreira. Todo aquele pessoal tra- balhava assim comigo, gravando dois canais e injetando aquilo como playback enquanto botava mais dois por cima. E assim sucessivamente, até no que desse! (rindo) E o engraçado é que saía tudo bem. Hoje em dia é impossível você ob- ter sonoridade de violão, de voz e outras fazendo isso. Aquelas gravações podem ter um certo abafamento, mas por outro lado tem uma certa fidelidade à qualida- de acústica que hoje em dia você não obtém mais. É engraçado, ganhamos muitas coisas e perdemos muitas tam- bém. Mas é sempre assim, é sempre as- sim. -Eu acho que sim, é possível que sim. Ainda não me debrucei sobre este mate- rial com esta intenção, né? Eu fiz uma pequena triagem de material quando eu fiz o "Quanta", não é isso Marcelo? Foi sobre o meu material de quando você estava levantando a Warner, porque você estava trabalhando nas duas gravadoras. A música Sala de Som é material daqui, é sobra do disco "Refavela" e está na caixa junto com É e Músico Simples. A Pílula de Alho é um refugo das grava- ções de "Um Banda Um". - Ouvindo agora a versão original de Sala de Som, vê-se que a música era muito mais complexa. Em "Quanta" eu a reduzi, eu a bos- sa-novizei rigorosamente. Eu fiz uma versão bossa-novística mesmo pra fazer. As acentuações rítmicas e as interven- ções vocais da versão original estão li- gadas mesmo ao aventureirismo experimentalista daquela época. - Até que ponto essa caixa vai te dar INTERNATIONAL MAGAZINE - N° 55 - ENCARTE
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