Como encara ter que fazer shows?
Você gosta de ver a música como um
cineasta ou um escritor, que não tem
relação tão direta com o público?
De uns tempos para cá, fazer shows
ficou bem mais agradável. No começo
era o jeito de sobreviver. Mas não tenho
vontade de fazer um show só com vio-
lão. Preciso de uma banda para mostrar
o que faço. No palco, sempre me sinto
um compositor. Minha voz faz parte
daquilo, mostrando o que eu fiz. E
adoro quando rola um instrumental
No seu segundo disco, com a Bethâ-
nia, em 1966, você fez seu primeiro
arranjo de cordas. Você já vinha
estudando música naquela época?
Não, não. Aquilo foi uma experiência
totalmente louca. Eu só sabia escrever
umas cabecinhas de nota e resolvi fazer
um arranjo. Fui estudar música depois
do terceiro disco.
Mas você lia, escrevia música?
"Em Nova Iorque
ouvia seu disco
Corrupião, os
do Guinga e
do Chico.
Eu chorava de
saudade do
Brasil...."
Ed Motta
Escrevia um pouquinho. Lia quase
nada. Fui para Los Angeles depois do
terceiro disco, em 69, fiz curso de músi-
ca para cinema e estudei orquestração.
Com isso, aprendi a não querer escrever
para orquestra. Sempre trabalho com alguém, colado o
tempo todo. Dou sugestões de arranjos, instrumentos,
harmonias, frases. Se não, compor e criar arranjos fica
muito solitário. E tem a hora em que você esgota as pos-
sibilidades. Aí vem um cara e diz: "Ah, aqui tem um
acorde.” E surge uma clareira nova, porque ouviu a
música pela primeira vez.
Então a concepção da música não precisa ser 100%
sua? Você tem necessidade de dividir?
ressar pelo jogo harmônico. Isso dá uma
sensação muito boa.
A geração mais nova resiste à ala
mais sofisticada da música brasileira
- como você, Tom, Chico e os minei-
ros - porque, talvez, se assuste. Eles
sabem que vão ter que quebrar a
cabeça para entender as estruturas
melódicas e harmônicas.
0 que dá um prazer muito maior. O
mercado põe o ritmo cada vez mais na
frente. O problema é que, depois de
alcançar o sucesso assim, é muito difícil
sair disso. E não se pode julgar quem
não sai. Os compromissos são muito
grandes. Nunca vendi milhões de discos
para julgar o que aconteceria comigo.
Talvez o mesmo. Essa opção é de cada
um. Para mim, o melhor é chegar a uma
certa época da vida, olhar o songbook e
achar que fiz um trabalho legal.
Você sempre fez trihas sonoras, como
a do balé Jogos de dança. O que está
achando dessa retomada do cinema
brasileiro?
Espero que aconteça mesmo. Tenho o
maior interesse em fazer trilhas. É como
um jogo. Algo assim: "Começa na hora
que a moça coçou a orelha e termina quando o carro
passa." Se demora 32 segundos, é uma pecinha de 32
segundos que você terá que compor, em cima da ima-
gem. Você compõe sabendo, compasso por compasso, o
que tem a fazer
Essa disciplina criativa influenciou você?
Não sei. Mas gosto muito quando tenho compromisso de
compor. Quando você tem três meses para fazer 12
músicas é meio apavorante. Essa obrigação desperta
vontade, cria um objetivo.
De que trilheiros você mais gosta? O tema de abertu-
ra de O grande circo místico tem nítida influência de
Nino Rota?
Tenho. Mas não posso simplesmente entregar a música
e ir fazer outra coisa. Muitas dessas pessoas são pianis-
tas melhores do que eu, lidando com um material que,
para eles, é mais novo do que para mim. Depois, acabo
incorporando o que fazem. Nos meus shows há vários
acordes do Cristovão (Bastos) e do (Gilson) Peranzetta.
No songbook, agradeço a todos que contribuíram com
notas, acordes, introduções... Isso tudo também faz parte
da composição
Que importância teve essa sua experiência nos EUA,
de 1969 a 1971?
Não foi só estudo. Comecei a aprender a ouvir música,
me interessar por compositores, ler partituras. Melhorei
muito como ouvinte. A distância alterou também minha
forma de ver a música brasileira. Passei a observar mais.
Lembro que me emocionei em Los Angeles, ouvindo um
disco do Caymmi. Aqui, não prestava a mesma atenção.
Dois dias antes de eu ir para Nova Iorque, onde
morei um ano, gravei seu songbook. Nessa época já
estava ouvindo Corrupião. Esse disco, os do Guinga e
Paratodos, do Chico, foram minha trilha sonora lá.
Eu ouvia e chorava com saudade do Brasil... (Risos)
Se essa redescoberta fosse parte de uma moda, eu des-
confiava. Não sei se estou sendo imodesto, mas tinha
expectativa de que isso fosse acontecer. Gente de uma
geração nova, mas sensível e ligada em música iria des-
cobrir que a MPB não é chata, escura, deprê. Iria se inte-
DOMINGO 6
Adoro Nino Rota. Quando terminei de compor este tema
lembrei dos filmes do Fellini.
Sua música tem todo um aspecto cerebral. Já li que
sua inspiração não pinta de repente. Mas há uma mi-
tica do calor, da latinidade no Brasil. Sua música
consegue ser altamente sentimental e superpensada,
não?
Trabalho o tema até esgotar, dentro das minhas possibi-
lidades. Criou-se por muito tempo o mito de que compo-
sitor popular não pode mexer muito na música. Não fun-
ciona assim comigo.
Isso não depende da música?
É, depende. Você pode ter flashzinho, uma idéia. Mas
comigo não. Não tenho essas coisas no meio da rua.
Há músicas que ninguém teria no meio da rua, certo?
Também acho. Mas existe o mito de que a música veio
inteira, com a letra. O cara correu, pegou um pedaço de
jornal e escreveu. As músicas nunca me perseguem. Eu
persigo as músicas. Nunca sonhei com uma música,
infelizmente. Tenho que ficar brincando, procurando.
Em compensação, quando aparece a primeira idéia que
vale a pena, sei que vou ter uma música nova. Só que vai
dar trabalho e durar um mês, dois.
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