M&M-Eem termos comerciais?
Salles - Tecnicamente, você começa a aparecer no
radar se você tem uma circulação paga de mais de 100
mil exemplares. Acho difícil, com os meios que temos,
de chegar a isso. Quem primeiro entendeu a revista fo
ram os profissionais da área criativa. Os de marketing
também entenderam. Os profissionais de mídia, que
trabalham tecnicamente, esses têm uma resistência
maior. Do ponto de vista do anunciante, fomos per-
cebidos desde cedo como uma revista que poderia
interessar a determinados perfis. Há os que sio fiéis
a gente desde o início. Nosso esforço é convencer os
anunciantes de que temos algumas especificidades
que não se reproduzem em nenhuma outra revista.
A singularidade da Piauí é o fato de não podermos
identificar o nosso leitor, o que parece um horror para
o mercado. Mas defenderei como virtude,
M&M-Para quem tentavender a revista, isso talvez seja
um desafio
Salles - É um desafio, claro. Mas determinados anun
ciantes já perceberam que é legal estar em uma revista
lida por pessoas que em algum momento terão um
determinado poder. Qual é o grande gargalo do Brasil
neste momento? É o capital humano. Para quase todos
os anunciantes estar próximo desse leitor agrega valor.
Já contamos com o apoio e o entusiasmo dos criativos
e do pessoal de marketing. O pessoal de mídia gosta
também, mas precisa de argumentos. E os argumentos
são esses e só puderam vir depois de um ano e meio,
depois que a gente conseguiu se estabelecer e iden-
tificar nosso leitor. A Piauí veio ao contrário, foi feita
por pessoas que queriam ler a revista. Não fomos ao
mercado para fazer uma pesquisa e saber se o leitor
queria ou não a Piauí
M&M - Vocês pretendem fazer algum trabalho de pes-
quisa para atender essa necessidade dos mídias?
Salles-Minha resistência à pesquisa foi ligada à perso-
nalidade editorial da revista. O risco é descobrir o que
o leitor quer ler e acabar fazendo uma revista moldada
ao gosto dele, e que não o surpreende, uma revista
utilitária. O legal é ele receber uma revista que não
sabia que queria ler. Parte do sucesso se deve ao fato
de que conseguimos surpreender o leitor. Mas agora
faremos uma pesquisa qualitativa para ajudar o esforço
do marketing a entender mais sobre nosso leitor.
meio &mensagem 21 DE JULHO DE 2008
presas com iniciativas ligadas a responsabilidade social
Aracruz, Vale, todas essas em algum momento
anunciaram com a gente. Itaú está desde o inicio, Real,
PricewaterhouseCoopers. Nao quisemos misturar o
Unibanco (a familia Moreira Salles é controlado
ra da instituição). Foi uma coisa pensada para que
ninguém ache que essa revista é um exercício amador.
Para mostrar que ela existe como negócio.
M&M - Como assim?
Salles - Não é uma revista que se possa definir por
faixa etária. Há uma ligeira concentração de leitores
entre 25 e 35 anos, mas a distribuição é muito regular
entre leitores de todas as faixas etárias. E tem uma
distribuição muito regular entre as classes Ce A. Não
é uma revista que se define por faixa de renda, nem
por gênero ou estado civil. O denominador comum
está na escolaridade: temos uma concentração maior
de leitores com grau superior completo. O leitor de
Piauí pode ter 20 anos ou 60, mas é alguém curioso,
com vontade de se informar, com capacidade de
processar a informação que recebe. Qualquer pessoa
que tenha campanha de responsabilidade social, de
sustentabilidade, de prestigio intelectual, vai querer
estar próximo da Piauí. Eo trabalho do departamento
"O risco das pesquisas é
comercial é mostrar para o mercado que, ainda que a
revista não se defina pelos padrões normais faixa descobrir o que o leitor quer ler
etária, renda, etc. —, há algo que une os leitores : é
uma revista de ascensão social. A classe C que le a
Piauí é alguém que daqui a cinco anos estará na classe
Be daqui a dez, na A.
e fazer algo moldado ao gosto
dele, e que não o surpreende,
uma revista utilitária. O legal
é ele receber uma revista que
não sabia que queria ler"
M&M-Que tipo de anunciante é fiel ao título?
Salles - Em primeiro lugar, mercado editorial (livros),
Nos praticamente abrimos esse mercado. As editoras
sempre anunciaram, mas em revistas mensais, nunca
Do ponto de vista do grande anunciante, são as em-
M&M - Das reportagens que vocês produziram, quais
tiveram mais repercussão?
Salles - Muitas. Fizemos matérias que repercutiram
muito em determinados segmentos. Por exemplo,
os perfis do Daniel Dantas, do Luiz César Fernandes
-que criou o Banco Pactual -- repercutiram muito
no mercado financeiro. Uma matéria sobre moda
identificamos uma certa tendencia de a moda bra-
sileira ser uma cópia do que acontece lá fora - saiu
no mes da São Paulo Fashion Week e só se falou nela:
foi copiada e distribuída; algumas pessoas se sentiram
ofendidas, outras apoiaram. Os perfis do Fernando
Henrique (Cardoso) e do José Dirceu, por serem fi-
guras públicas, tiveram repercussão social maior. No
último número tem uma matéria muito boa sobre as
relações da família Kirchner e a imprensa, que são as
piores possíveis. Temos conseguido alguna excelência
em áreas muito diferentes da vida nacional. É assim
que funciona a Piauí, uma revista cuja fórmula é não
ter fórmula
M&M - A Video Filmes já chegou a trabalhar com propa-
ganda. Não vai mais atuar nessa área?
Salles - Já trabalhamos, mas nunca mais fizemos pro-
paganda. Fomos por cinco ou seis anos a maior produ-
tora do Rio e uma das duas ou três maiores do Brasil.
com a volta das leis de incentivo, houve uma decisão
de acabar com a atuação na publicidade porque essa
atividade é muito densa, onde roda muito dinheiro
e o prazo é sempre muito curto. Se não tivéssemos
feito isso, tenho quase certeza que não teriamos pro-
duzido O Primeiro Dia, Central do Brasil, Noticias de
uma Guerra Particular, Entre Atos, Linha de Passe,
Cidade Baixa, Madame Sata, O Céu de Sueli, Lavoura
Arcaica... Nada disso teria sido produzido porque
estaríamos concentrados na atividade publicitária.
Então acabou sendo uma boa decisão.
ENTREVISTA
M&M - Cannes Lions está dando atenção para ações
que envolvem mais entretenimento. Por outro lado, a
propaganda está se abrindo para novos formatos. Isso
não o seduz?
Salles - Quem sabe? Quando falo em não voltar à
publicidade, estou falando do formato tradicional,
o filme de 30 segundos, que é aprovado em uma se
gunda-feira e você tem de entregar dez dias depois.
Esse ciclo é rápido demais para uma produtora que
se sente à vontade com o ciclo mais lento do cinema.
É possível ver as duas coisas convivendo juntas, como
na 02 e na Conspiração, mas elas são estruturas
muito grandes, e nós não queremos ser maiores do
que somos. Imagino que esses novos formatos são de
ciclo mais longo de produção. Se eles se firmassem,
nós estaríamos abertos a eles.
M&M-Oministro Gilberto Gildefende mudançasnaleide
incentivos à cultura para descentralizar os investimentos
Qual sua avaliação sobre isso?
Salles - Acho importante descentralizar. Mas tenho a
impressão de que essa descentralização de certa ma-
neira já ocorreu. Existe um movimento de cinema em
Pernambuco, outro no Ceará. Essa questão da geogra-
fia é ultrapassada, e esse desejo de afirmar as culturas
regionais é algo que deve ser pensado. A própria idéia
de regionalização é uma idéia em crise. Ainda assim,
quem não está nos grandes centros deve ter acesso a
meios de produção. Não sei se necessariamente para
afirmar a sua identidade regional. Há urna questão
maior que merece ser discutida. Do meu ponto de
vista, o Estado precisa ter presença na produção de
cultura, mas acho legitimo que pessoas digam que
não querem que seu dinheiro afinal de contas,
renúncia fiscal —vá para a produção de um filme, que
elas prefiram que isso vá para segurança ou educação.
Essa discussão é legitima, tem ótimos argumentos dos
dois lados. Um argumento forte em defesa do cinema é
que talvez nos últimos anos nenhuma forma de mani-
festação tenha impactado tanto a discussão pública no
Brasil quanto o cinema de Central do Brasil a Cidade
de Deus ou Tropa de Elite, eles pautaram a discussão
Qual o grande problema do Pais hoje? A violência. O
cinema estabeleceu parámetros para o debate. Ele
cumpre uma função. Não que tenha de cumprir, mas,
de toda maneira, foi além disso,
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