2 o domingo, 104/94
Continuallo da capa
Astros da música que não supor-
tam o peso da fama fracassam
na vida pessoal e levam suas
carreiras à perigosa fronteira
entre a genialidade e o delírio
Um flerte com a morte
Areal
MARCUS VERAS
O fim do túnel, a escuridão. Alçada cate
goria de arte planetária pela expansão dos
meios de comunicação no século 20, a musi-
ca amplia, a cada década, sua galeria de mártires.
Herois sem causa aparente-a não ser sua inacre-
ditável incapacidade de encontrar a felicidade
estes artistas cortejaram a morte com gestos de
rebeldia que encontraram nas drogas sua mais com-
pleta expressão. Assim, o suicidio de Kurt Cobain
foi apenas o último degrau numa existencia contur-
bada, onde dinheiro e fama jamais significaram a
paz
A chegada da heroina aos Estados Unidos coin-
cidiu com a explosio do jazz nos anos 40. O que era
apenas um hábito exótico de milionários enfastia-
dos desceu às ruas e chegou as mãos de traficantes
que formaram uma clientela fiel entre os músicos. A
primeira vitima famosa do brown sugar (como cha-
maria a droga anos mais tarde a dupla de composi-
lores dos Rolling Stones, Jagger & Richards) foi o
saxofonista Charlie Parker, um dos genios do bebop
ao lado de Dizzy Gillespie. Após destroçar sua vida
profissional e afetiva, Parker morreu nos 34 anos,
vitima de pneumonia e congestão, em 12 de março
de 1955
A maravilhosa Billie Holiday também penou nas
garras da heroina, e sua auto-biografia - Lady
sings the blues - traz passagens dramáticas de
tentativas de ficar limpa. Ao morrer em 17 de julho
de 1959, aos 44 anos, sua voajera sombra do que
fora um dia. Em seu funeral, um amigo comentou
discretamente: "Ela morreu de tudo Explorada
pelos homens que deveriam ami-In, Billie jamais
encontrou a felicidade, e talvez por isso mesmo,
cantasse to maravilhosamente
KT150/70
Com o fim da era do jazz, os anos 60 marcaram
o surgimento de uma nova força no mercado o
rock. Não custou muito para que a parceria entre Jimi Hendrix, um mestre da guitarra, abusou do LSD e morreu sufocado em 1970 cm Londres
talento e morte corecasse a cobrar seu propo. Em 3
Arquivo
de julho de 1969, Brian Jones, guitarrista dos Rol-
ling Stones, preso varias vezes por porte de drogas,
foi encontrado morto em sua piscina. Tinha 26 anos
e não pode desfrutar da fama que seus companhe
ros de banda conquistaram nos anos 70.
Arcive
O que ha de comum nestas tragédias é que elas
no se originaram no palco. Todos estes artistas
tinham um pacto com o talento, e a contrapartida
cra o abandono de sua vida pessoal, que vinha
sempre em segundo plano. A loucura, o desequili-
brio emocional e a carência afetiva jamais seriam
curados pela fama ou o dinheiro. O guitarrista
americano Jimi Hendrix foi a vitima seguinte. De
pois de gravar discos que entraram para a história
da música neste final de século, apostou nas drogas
como uma forma de ampliar sua percepção. "Hou-
ve épocas em que ele tomava um ácido por dia"
revelou Chas Chandler, seu produtor. Numa dessas
viagens, o trem voltou vazio Jimi morreu aos 27
anos, sufocado pelo próprio vomito em um quarto
de hotel em Londres. Era setembro de 1970.
Um mes depois, outro choque no mundo do
rock: Janis Joplin no suportou uma ondase de
heroina e morreu aos 27 anos em seu apartamento
em Hollywood. "Cantar é melhor do que qualquer
droga", dizin ela. Falava mas não fazia, ja que era
conhecida como alcoólatra e contumaz usuaria de
heroina e cocaina
Em maio de 1971, foi a vez de Jim Morrison, o
Jendario lider do grupo The Doors Morrison, preso
várias vezes por "atentado ao pudor" e "atitude
incoveniente no palco", encontrou sua hora dentro
de uma banheira em um apartamento em Paris. Em
1977, Elvis Presley - The Phils -no acordou
depois de ter tomado varias pilulas para dormir.
Tinha 42 anos, vivia solitario e cheio de exquisitices.
Deixou uma legilo de Dis inconsclaveis (muitos
ainda acreditam que esteja vivo). Keith Moon, bate-
rista do The Who, morreu um ano depois, também
por orrdose de tranquilizantes
Para nós, brasileiros, o adeus a Elis Regina em
19 de janeiro de 1982, vitima aos 36 anos da letal
mistura de álcool com cocaina, foi uma dolorosa
passagem, que deixou milhões de órfãos de sua voz,
Há quem credite a esta forma insana de enfrentar
a vida à genialidade de suas obras. A verdade é que
os seres humanos se esmeratam sa capacidade de
Iransformar em arte suas tragedias pessoais. A al-
gria, a felicidade e o equilibrio talvez sejam para o
publico sedativos, jamais estimulantes
Jim Morrison morreu na banheira, Janis de overdose e Billie de tudo"
'Grunge' foi
corrompido
TARIK DE SOUZA
OPINIOES
"Kurt Cobain é o novo John
Lennon. Pode parecer uma compa-
ração meio boba, mas faz sentido
diante do que ele falava nas suas
letres, como sentia as coisas. Ele
era também um dependente quimi-
co em potencial, como eu fui. Esse
tipo de dependencia sempre da nu-
ma terminação fatal." (Renato Rus
50, cantor)
"Eu acho que a morte do Co-
bain tem muito mais a ver com o
establishmendo que com a arte e a
revolta." (Marcelo Nova)
"No sei se o que ele fez tem a
ver com a sina dos astros de pop e
rock. Jimi Hendrix, Janis Jopline
Jim Morrison foram acidentes. Co-
bain foi radical. Uma pena." (Ar-
maldo Brandão, cantor)
"Até o gesto dele é transforma
do em algo mitologica. Ele val virar
um James Dean pela velocidade do
Sucesso, com a historia pessoal de
le, como ele morreu no auge. Agora
tem tudo para entrar no rol dos
heróis do rock." (Paulinho Moska,
cantor)
Q
LANDO nasceu no microsse-
lo Sub Pop, dos sócios Bruce
Pavitt e Jonathan Ponemam, em
Seattle, o grunge tinha data certa
para morrer. O barulho punk
bard
core de guitarras estertoradas sobre
rocks eventualmente melódicos e
letras no fio desencapado da des
truicio não combinava com a histe
ria do rock de arena em que se
transformaram os shows de suas
principais estrelas. "A essência do
movimento está sendo corrompida
pela midia", decretou Pavitt no ano
passado, impressionado com a ex-
pansio das crias de sua gravadora,
que pariu Nirvana, Soundgarden
Mudhoney. A ideia inicial do selo,
fundado em 1984, era no máximo
veicular as demos das garagens lo-
cais, um som sujo e independente
do mainstream das mors, que ti-
nha tudo para engatinhar eterna
mente nos subterrâneos cwl. O pri-
meiro disco do Nirvana, Bleach, de
1990. virou lenda por seu baixo
custo, miseros US$ 600. Mesmo
sem engajamento politico, os grum
ges detonavam uma postura ética
que os aproximava de reedições
atualizadas pós-punk e pós-yup-
pie) dos libertarios hippies, com
suas roupas esfarrapadas, cabelos
longos e rebeldia contra o sistema
Assim como Liverpool gerou a
beatlemania, a motor loww Detroit
deu no suingue negro da Motowne
as fuligens de Manchester fabrica
ram uma horda de darks, Seattle
originou a estética grupe a partir
de um cenário friorento e chuvoso,
longe demais das capitais influentes
do mercado musical americano. A
combustão instantanea do Nirva-
na, a partir de Nevermind e seu
manifesto Smells like feet spirit, vi
rou pelo avesso o grupo influencia
do pelos Vaselines eo Sonic Youth.
Rascunhados no punk inglés, new
ware e hardcore americano, o Nir-
vama nunca foi passado a limpo,
como demonstrou a radiografia In-
esticide, uma coletânea precoce de
faixas raras, disparada pela Geffen
(a major que projetou o grupo no
grande circuito) no ano passado.
Um paralelo evidente com os termi-
mais Sex Pistols. O suicidio de Co-
bain é o último verso de sus obra
contestatória. Será o uivo final do
gratge
JORNAL DO BRASIL
Gil acústico
aplaudido de
pé na estréia
LULA BRANCO MARTINS
Mesmo miesto cena o apen de were
LESMO brigando com o sistema de som da
'Sala Cecilia Meireles, Gilberto Gil fez da estréia do
Acústico, anteontem, um show marcante. O cantore
compositor baiano parecia feliz da vida - a cada
final de música gargalhava, mexia com o público
dava gritos de alegria. A banda não ficava atrás
tanto é que no final do espetáculo (que encerra hoje
a minitemporada carioca todos os músicos sairam
abraçados a Gil. E a plateia também participou da
comunhão: o show era acustico (baseado no recém-
lançado disco Unpluge), mas apesar disso muita
gente levantou para rebolar ao som de, por exem-
plo, Toda menina baiana.
Entre os notáveis da noite, as presenças televish
vas de Andrea Beltrão e Claudia Abreu, músicos
como Paulo Moura e dois importantes parceiros de
Gil: Caetano Veloso e Bi Ribeiro, dos Paralamas. Be
se agitava na cadeira aprovando o surpreendente
arranjo de A novidade. Já Cactano, diante de tantas
homenagens no palco - Gil citou-o varias vezes
cantou as suas Sampa e Beira-mar era de uma
timidez a toda prova: "Gil é maravilhoso. E não
apenas ele. A principio, Caetano queria falar só de
música, mas acabou por rasgar elogios para outros
tais: "Na minha opinião, Nilo Batista e Betinho são
honestissimos. E não é a mera inclusão do nome
deles numa lista qualquer que vai me fazer desconh
fiar dos dois."
O assunto Lista de Castor, aliis, era o principal
nos bochinchos próximos as bilheterias. Ate porque
Os preços dos ingressos (CRS 15 mil no balclo e
CRS 20 mil na platéia) erum amargos e serviam de
estimulo para se falar mal de qualquer coisa. A
casa, apesar disso tudo, estava lotada. E Gil não fen
feio para seus fais atrasou aquela meia horinha de
praxe, entrou contente no palco - com calça
paletó que lembravam uma toalha de mesa -
mandou ver um sucesso atrás do outro.
Acompanhado por Artur Maia (baixo). Celso
Fonseca (violão), Lucas Santana (flauta), Jorge Go
mes (bateria) e Marcos Suzano (percussão), Gil
lembrou sucessos como Drão, Aquele abraço e Ten
po ri, reinventou arranjos para algumas de suas
musicas mais agitades - como Realce e Palec
mostrou uma inédita, Figura de retórica (que definiu
como uma "marchinha caetancada"), e tirou de
baú uma canção quase esquecida nos anos 70,
Chiquinho Ano ("Chiquinho Azevedo, um garo
to de Ipanema/ salvou um menino numa praia de
Recife/ levou-se o menino a uma clinica em frente
médico não quis atender, queria dinheiro) messi
hora vi que o mundo está doente").
De tempos em tempos, Gil reclamava do som,
explicando que shows acústicos costumam ter pro-
blemas como reverberações e microfonias. Para jus-
tificar as falhas, chegou até a falar em COSAS
outro mundo: "Existe uma freqüència que mora
aqui nessa sala, a gente não pode provoca la que
logo aparece pra perturbar", disse, sendo intero
pido por um novo estalo do microfone. Mas o fim
das contas, sua própria energia prevaleceu sobre
tudo. No bis - Super Homem, Se eu quiser fler
com Deus, Sitio do Pica-Pow Amarelo e Domingo
parque -- Gil foi merecidamente aplaudido de pe
por vários minutos
Cat
Gil na estréia do seu show anteontem fez
o público dançar na Sala Cecília Meireles
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