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especial sobre as parcerias
de Roberto e Caetano em
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NA DÉCADA DE 1980, AS DIFERENÇAS ARTÍSTICAS
E PESSOAIS ENTRE OS DOIS CANTORES FICARAM
MAIS EXPLÍCITAS À MEDIDA QUE ROBERTO
MERGULHAVA NA SUPERSTIÇÃO E NA RELIGIOSIDADE
Força Estranha foi lançada em dezembro de 1978, mês e
ano que encerraram o período mais violento do regime mili-
tar e também o da participação do compositor baiano com
novas canções nos discos de Roberto Carlos. Caetano ainda
The enviou a romântica Ela e Eu, mas o cantor a recusou, e a
música acabou gravada por Bethânia no álbum Mel, de 1979.
O fato é que, a partir desse período, começou um
certo distanciamento entre Roberto e Caetano. As suas
diferenças artísticas e pessoais ficaram mais explícitas
à medida que, por exemplo, Roberto mergulhava na su-
perstição e na religiosidade. A distância se revelou até
mesmo no visual dos dois. Num tempo em que cabelo
grande já não incomodava ninguém, Caetano cortou o
seu. Roberto, porém, ainda insiste no dele.
BURRICE
Em meados da década de 1980, o afastamento atingiu
seu ápice. O episódio deflagrador foi a proibição no Bra-
sil do filme Je Vous Salue, Marie, de Godard - por ironia,
o cineasta que ajudou Caetano a se aproximar do ídolo
da jovem guarda. Produção de 1985, o longa-metragem
causou grande polêmica por mostrar uma Virgem Maria
moderna, que trabalha num posto de gasolina, joga bas-
quete e tem namorado. O filme iria ser lançado no Brasil
em 1986. Entretanto, pressionado pela cúpula da Igreja
Católica, o presidente José Sarney ordenou a sua proibi-
ção. Indignados, Caetano e outros artistas e intelectuais
começaram um movimento de desobediência civil, exi-
bindo o filme em sessões clandestinas.
Já Roberto Carlos se manifestou publicamente a fa-
vor da proibição e, fato inédito para um artista que sem-
pre se manteve afastado da política, chegou a enviar um
telegrama ao presidente Sarney congratulando-o pelo
veto. Essa atitude irritou Caetano, principalmente porque
Roberto nem sequer tinha visto o longa de Godard. "Não
vi e não gostaria de ver. Sou contra filmes que mexem
com divindades", justificou o cantor na época. Caetano
escreveu, então, um agressivo artigo contra ele na Fo-
lha de S.Paulo. "O telegrama de Roberto Carlos a Sarney
envergonha a nossa classe", disparou, enfatizando que,
"para compensar a burrice de Roberto Carlos", todos os
demais artistas da MPB deveriam se unir num movimento
de protesto contra a decisão de Sarney. "Vamos manter
uma atitude de repúdio ao veto e de desprezo aos hipó-
critas e pusilànimes que o apóiam", conclamou.
www.revistabravo.com.br 08/2008
Ninguém, até então, fizera publicamente uma crítica tão
dura contra Roberto Carlos. "Caetano foi muito deselegante",
reclamou o cantor, surpreso com a reação do colega. No ano
seguinte, o artista baiano fez-lhe um afago ao gravar Fera
Ferida, um dos clássicos de Roberto. No entanto, não houve
reciprocidade, e o cantor continuou sem dar voz a músicas
de Caetano. Parecia que a dupla não iria mais se entender.
Em 1992, porém, Caetano estreou o show Circulado, no
qual fazia uma retrospectiva de sua carreira. Para surpresa
do público, depois de rememorar episódios relacionados à
sua prisão e ao exílio, ele cantou Debaixo dos Caracóis dos
Seus Cabelos e exaltou Roberto por ter feito a música em sua
homenagem - fato que, até então, quase ninguém conhecia.
Isso causou grande repercussão, e a antiga canção, que es-
tava praticamente esquecida, voltou às paradas. Quebrando
o gelo, no fim daquele ano, Roberto convidou Caetano para
cantar o tema antiexílio no seu programa anual da Globo.
Mais recentemente, os dois voltaram a divergir, dessa
vez num episódio que me envolvia: o da ação judicial contra
o livro Roberto Carlos em Detalhes. Embora não o tivesse
lido, o biografado alegou invasão de privacidade e uso inde-
vido de imagem e acabou conseguindo tirar a obra de circu-
lação. Juntando-se a diversas outras personalidades, Cae-
tano se opôs à atitude de Roberto. "Não gosto da decisão, a
biografia deveria estar sendo vendida livremente. Vão quei-
mar os livros? Sou contra", disse à Folha de S.Paulo, em maio
de 2007. Em novembro do mesmo ano, ele expressou opinião
semelhante ao jornal argentino Página 12.
Por tudo isso, pelos encontros e desencontros que marca-
ram as carreiras de ambos, os shows que Roberto e Caetano
realizarão agora têm tudo para se tornarem históricos. Sem
contar que, pela primeira vez, eles se exibirão juntos em um
espetáculo aberto ao público. E o que volta a uni-los é a ensola-
rada bossa nova, que um dia iluminou o caminho daqueles dois
garotos que quase se conheceram na Rádio Nacional. O
PAULO CESAR DE ARAÚJO é historiador e jornalista, autor de Eu
não Sou Cachorro, não e Roberto Carlos em Detalhes.
ONDE E QUANDO
Caetano Veloso e Roberto Carlos em homenagem
a Tom Jobim. Dia 15/8, no Teatro Municipal do Rio
de Janeiro. Dias 25 e 26/8, no Auditório Ibirapue-
ra, em São Paulo. Às 21h. A partir de R$ 30.
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