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CLIENTE: GILBERTO GIL
VEÍCULO:
DCI - SP
POLITICA
30.01.2007
SEÇÃO
DATA:
EM 1926, LAMPIÃO AMEAÇOU
saquear Palmeira dos Índios, no alto
sertão de Alagoas. A delegacia só tinha
uma meia dúzia de soldados. O major
José Lucena, comandante do destaca-
mento, pediu aos fazendeiros que lhe
arranjassem pistoleiros, cavalos e bur-
ros e ajudassem a cavar trincheiras e
fazer barricadas.
Lampião mandava bilhetes amea-
çadores à prefeitura exigindo dinheiro
e espalhou mais de cem homens nas
proximidades da cidade. Um comer-
ciante e seus amigos mobilizaram os
moradores e se prepararam para resis-
tir.
Quando Lampião viu que a briga ia
ser para valer, desistiu e seguiu para
Mossoró, no Rio Grande do Norte. O
comerciante contou o exibicionismo
dos cangaceiros:
"Corriam pela estrada, bem montados, es-
palhafatosos, pimpões, chapéus de couro en-
feitados de argolas e moedas, cartucheiras
enormes, alpercatas que eram uma compli-
cação de correias, ilhós efivelas, rifles emban-
doleira, lixados, azeitados, alumiando."
Graciliano
O valente comerciante de Palmeira dos fn-
dios, que ajudouaescorraçar Lampião ezom-
bou de seus cabras com seu estilo seco, preci-
so, enxuto, estalando como cipó, era Gracilia-
no Ramos, que ainda não tinha sido prefeito
da cidade e nem se revelado o iluminado e
magnífico cangaceiro das palavras e do estilo,
dos maiores e raros clássicos da literatura bra-
sileira.
"Cacto fechado, casmurro e amargo", o de-
finiu Otto Lara Resende, seu companheiro no
Correio da Manhã. “Rebelde, duro, simples,
altivo, sem medo, um homem do tamanho de
sua obra", disse Medeiros Lima, também cole-
ga.
E tinha a exata consciência de seu dever de
intelectual, de escritor: "A qualidade essencial
de quem escreve é a clareza, é dizer uma coisa
Av. que todos entendam da forma que você quis.
Para escritor que é autodidata, isso custa anos,
porque não estánagramáticanemem livro al-
gum".
SEBASTIÃO NERY
sebastiao@ig.com.br
www.sebastiaonery.com.br
Ocangaceiro
da literatura
PÁG:
O comerciante que ajudou a
escorraçar Lampião de Palmeiras
dos Índios era Graciliano Ramos
Correio da Manhã
Na mais completa de suas biografias, o Velho
Graça, uma biografia de Graciliano Ramos
(Editora José Olympio), um livro essencial pa-
rasaber Graciliano (de 1892 a 1953), o jornalis-
ta, professor e escritor Dênis de Moraes, entre
tantas outras histórias, conta esta que mostra
bem quem ele era:
"Relutava em aceitar aproximação maior
com os proprietarios do Correio da Manhã,
embora mantivesse uma relação cordial com
Paulo Bittencourt. A ortodoxia política (era
membro do Partido Comunista) o levaria ao
exagero de não compareceraojantar pelo ani-
versário de Bittencourt. A José Condé, que
passava alista de adesões, afirmaria:
- Não me sento á mesa com patrão. Todo
patrão éfilho da puta!
No dia seguinte, Bittencourtse queixaria:
- Mas, Graciliano, como é que você me faz
umacoisa dessas?
-Paulo, euo respeito, mas vocêéopatrão.
-Maseusou umpatrão diferente.
-Não, Paulo, todo patrão para mimé....
-... filho da puta! Já sei, Graciliano, que você
xingou minha mãe.
O comunista e o burguês acabariam rindo
juntos."
60 anos
No dia 27 de outubro de 1952, mais decemjor-
nalistas, escritores, artistas, intelectuais
(Astrogildo Pereira, Afonso Arinos, Por-
tinari, Gustavo Capanema, Manuel
Bandeira, Jorge de Lima, Jorge Amado,
Vinicius de Morais) reuniram-se na Ca-
mara Municipal do Rio para celebrar
seus 60 anos. De Belo Horizonte, muito
jovem, primeiro ano de jornal e primei-
raviagem ao Rio, fuicom meu colegade
faculdade e jornal, o escritor Wander
Piroli.
Lembro bem os discursos. Mas, de-
cepção. Ele não compareceu. Doente, o
câncer no pulmão não deixou, mesmo
operado na Argentina. A gentileza de
dona Heloísa nos permitiu visitá-lo e
conversar com ele no dia seguinte, no
seu apartamento, sentado na sala, na
poltrona com almofadas, o robe ver-
melho e uma tosse miúda, rouca, im-
placável. Morreuem 20 de março.
Alberico Cordeiro
Hoje estou aqui em Palmeiras dos Índios, re-
cebendo, emocionado, o título de Cidadão
Honorário da terra de Graciliano, dado una-
nimemente pela Câmara Municipal e pela
prefeitura local. Epude testemunharoempe-
nho, o esforço que a cidade faz para cuidar,
guardar, honraramemória de seu filho maior,
perpetuando sua presençanaterra em quefoi
comerciante, prefeito, escritor.
O "Museu Graciliano Ramos" está na mes-
ma casa em que ele viveu, com o precioso
acervo doado pela família: as primeiras edi-
ções de todos os livros, correspondências, jor-
nais, fotos, objetos pessoais, canetas, maqui-
na de escrever, e o material e objetos usados
nos filmes Vidas Secas, São Bernardo e Memó-
rias do Cárcere. A bem cuidada Biblioteca
Graciliano Ramos, com milhares de exempla-
res, ficana secularestação de trem.
Atenção ministro Gilberto Gil e professor
Muniz Sodré! O incansávele exemplar prefei-
to reeleito Alberico Cordeiro, jornalista, várias
vezes deputado federal, tem feito o impossí-
vel e por isso merece e precisa de mais apoio
do ministerio da Cultura e da Biblioteca Na-
cional, para obras de ampliação e climatiza-
ção indispensáveis à preservação integral dos
valiosos acervos.