Beth Carvalho
O que a faria voltar?
As desculpas públicas (da diretoria)
deveriam ser feitas da maneira mais
clara possível. Tem gente falando que
só devo voltar quando for enredo da
Mangueira! (Risos) Eu me considerei
enredo da Mangueira em alguns sam-
bas. No ano que eles saíram com o
Samba no Século XX, era ala "Agoniza,
Mas Não Morre", ala "Folhas Secas",
ala “As Rosas Não Falam", ala "Coisi-
nha do Pai" (sambas gravados por
Beth). E terminava com “O Samba em
Marte". Por tabela, eu era enredo.
Quem a apoiou nesse episódio?
O Brasil! Milhões de cartas, de atores,
cantores, compositores, colunistas, in-
telectuais. Recebi e-mails da Inglater-
ra, da Itália, da França. E, antes disso,
todas as escolas me ofereceram lugar.
Agradeci, mas não era essa a solução.
Não desfilar na Mangueira e desfilar
em outra não dava.
Chico Buarque, seu parceiro de
shows da Mangueira, se manifestou?
Tenho o maior carinho e respeito pelo
Chico. Ouvi dizer, de pessoas que con-
vivem com ele - porque não temos
tanta intimidade e relacionamento -
que ele ficou revoltado. Não houve
manifestação direta, mas não posso
exigir nada de ninguém. As pessoas
têm que ter a atitude que desejarem.
Por que você disse certa vez que
Roberto Carlos não é o rei da mú-
sica brasileira?
Não considero. É um ótimo cantor,
mas a música dele poderia ser italiana,
espanhola. Tanto que o rival dele não
foi nenhum brasileiro, foi o Julio Igle-
sias. Luiz Gonzaga, Tom Jobim e Car-
tola foram reis. Neste momento, te-
mos um rei, que é o Zeca Pagodinho. A
música dele representa o povo brasi-
leiro, muito mais que a do Roberto.
o Zeca é hoje o nome mais bada-
lado do samba, com um espaço
maior que o dado aos artistas da
sua geração. Algum ressentimento
por isso?
Não. Tenho um espaço bom, não pos-
so me queixar. Tive isso nos anos 80 e
14 7/5/2007 Isto ÉGente - 401
(Roberto Carlos)
é um ótimo cantor,
mas a música dele
poderia ser italiana,
espanhola. Temos
um rei, que é o Zeca
Pagodinho. A música
dele representa o
povo brasileiro 99
90, agora é a vez dele. Mas eu tô aí. E,
para começo de conversa, para falar
em Zeca Pagodinho, falam de mim.
Sua filha, Luana Carvalho, des-
ponta como atriz e cantora. Sente
que perdeu alguma coisa no cresci-
mento dela?
Não tenho essa culpa porque a vida
inteira eu disse: "Não sou uma mãe
dona-de-casa, mas, em compensa-
ção, posso te levar para o meu traba-
lho". Estive mais presente do que
uma mãe que trabalha fora. Levava
para camarim, shows, viagens. Ela fi-
cou apaixonada por Cuba! Não que-
ria vir embora, chorou para ca-
ramba. E olha que tinha acabado de
ir à Disney! Não é por nada, mas ela
não chorou quando saiu da Disney e
chorou quando saiu de Cuba.
Após três casamentos (com Edson
Barbosa, pai de Luana, Daniel de
Souza e Nei
sar de novo?
Barbosa), não quis ca-
Três está bom demais. A gente tem
que namorar, casamento não dá. É tão
bom dormir na sua cama, ter seu ba-
nheiro, não dar satisfação. Casamento
é uma instituição que já nasce falida,
não devia mais existir.
Como reagiu à chegada dos 60
anos?
Agora eu sou sexy... "sex-agenária".
Curti desse jeito, brinquei muito. A
gente leva um susto quando chega:
"Ih, sessenta? Caramba!". Quando
chegar aos 70 também vai ser assim,
como foi aos 30. Minha cabeça é de
todas as idades. Tenho a cabeça jo-
vem e a consciência de que, fisica-
mente, não é mais a mesma coisa.
Mas estou cheia de gás, fazendo 500
mil projetos, animadíssima.
Tem algum vício?
Fumei por 45 anos, mas, há três
anos, fiz um show para a empresa
de planos de saúde) Unimed e a
distância do camarim para o palco
era o tamanho dessa sala. Quando
cheguei ao palco, não tinha ar para
falar "boa noite". Como era uma
platéia de médicos, abri o jogo: “Não
sei como vou fazer esse show, por-
que estou sem ar". Aí começaram a
receitar remédio na platéia! Conse-
gui cantar, mas me apavorei. Depois
parei, mas engordei, né? Ganhei 15
quilos.
Muitos sambistas continuam na
ativa aos 80, 90 anos. Imagina-se
assim também?
Para cantar samba, sertanejo e
forró, quanto mais velho, melhor. To-
das as pessoas do samba morreram
cantando. Talvez não cante com a in-
tensidade de hoje, mas, se tiver con-
dição, por que não? Moreira da Silva
cantou até os 90 anos.
O que fará quando o tempo avisar
que não pode mais cantar?
Vou ficar muito triste, mas acho que
esse dia não vai chegar. Espero mor-
rer antes de não poder cantar, porque
é a coisa que mais gosto na vida.
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