"Muita coisa
precisa ainda ser
feita, esse foi o
primeiro passo"
CLIENTE: GILBERTO GIL
VEÍCULO: A TARDE - SALVADOR
SEÇÃO: :
DATA:
CECI ALVES
E
le é ritualístico, sagrado.
Mas pode ser também
festivo, profano. Serviu
de raiz para grande parte das
bifurcações do samba que se
conhece hoje, e há historiado-
res que o colocam como a ver-
dadeira fonte do samba cario-
ca. É considerado patrimonio
vivo e agora, às vésperas do
Dia do Samba e depois de
mais de 300 anos de história,
finalmente o samba-de-roda
foi reconhecido como Obra-
prima do Patrimônio Oral e
Imaterial da Humanidade, pe-
la Organização das Nações
Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura - Unesco.
O reconhecimento foi anun-
ciado ontem, gerando uma sé-
rie de reações positivas.
"Mas que beleza de noti-
cia", exultou o ministro da
Cultura, Gilberto Gil, que sou-
be da proclamação durante
uma reunião com representa-
ções do Sesc, no Rio de Janei-
ro. "É uma das grandes novas
de final de ano", celebrou ele,
que havia encaminhado a pro-
posta de reconhecimento à
Unesco por meio do Instituto
do Patrimônio Histórico e Ar-
tístico Nacional - Iphan, em.
colaboração com a Associaçãoções
Cultural do Samba de Roda
Dalva Damiana, o Grupo Cul-
tural Filhos de Nagô e a Asso-
ciação de Pesquisa em Cultura
Popular e Musica Tradicional
do Recôncavo.
(Carlos Sandroni,
etnomusicólogo
pernambucano)
Samba-de-roda já é patrimônio
Unesco reconhece samba do Recôncavo baiano como Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade
O dossiê de candidatura foi
coordenado pelo etnomusico-
logo Pernambucano Carlos
Sandroni, fruto de uma extensa
pesquisa realizada em três me-
ses), que catalogou cerca de 30
grupos de samba-de-roda por
todo o Recôncavo, documen-
tando, identificando as princi
pais demandas de cada agre-
miação e traçando um plano de
ação, documentação e pesquisa
que irá nortear uma série de
iniciativas que poderão ser pos-
tas em prática agora, com o re-
cebimento da distinção.
CADERNO 2
26.11.2005
Entre elas, as mais represen-
tativas são a reconstituição do
acervo, o projeto de um centro
de referência para o samba-de-
roda e o estabelecimento de
uma associação para os samba-
dores e sambadeiras. "Uma dis-
tinção como essa contribui para
tomar o samba mais forte do
que já e", opina o especialista na
matéria, o baiano Josias Pires,
também participante da confec-
ção do dossie. "E também para
que as pessoas que fazem sam-
ba sejam reconhecidas e valori-
zadas por sua riqueza, para que
se dêem a conhecer e que reco-
nheçam o seu próprio valor"
PÁG:
SALVAGUARDA - De acordo
com Sandroni, além de pro-
clamar o valor do samba-de-
roda nacional e internacional-
mente, a Unesco ainda se
comprometeu a dar apoio fi-
nanceiro no que for preciso
para que a manifestação se
desenvolva. "Muita coisa pre-
cisa ainda ser feita, esse foi o
primeiro passo", afirmou
Sandroni
"Com o dossie", segue o
coordenador, "fizemos um
plano de salvaguarda baseado
em quatro pernas: a preserva-
ção da memória, a divulgação,
a educação das novas gera-
e apoio à organizações .
Agora, com essa distinção, tu-
do vai ser feito numa escala
maior", festeja.
Mas Josias Pires lembra
que, apesar da força influen-
ciadora do samba-de-roda do
Recôncavo, ele vem sofrendo
um processo de depreciação e
esquecimento, que pode ser
revertido pelo prêmio da
Unesco. "A maior parte da
população acaba tendo conta-
to com o samba industrializa-
do e não com o samba de for-
mas tradicionais. E o público
não tem como valorizar o que
não conhece. Por isso, a im-
portância da Unesco, de fazer
com que ele seja conhecido
nas cidades do mundo", arre-
matou Josias.
Com o samba, mais 43 ma-
nifestações culturais ao redor
do mundo foram também re-
conhecidas, como performan-
ces tradicionais da Ramaya-
na, India, a Ramlila: O Teatro
Kabuki, do Japão, e o Zam-
bian Makishi Masquarade, da
Zâmbia. Anunciada pelo dire-
tor geral da Unesco, Koichiro
Matsuura, esta foi a terceira
proclamação de Obras-pri-
mas do Patrimônio Orale
Imaterial da Humanidade.
Segundo está explicado no si-
te da organização, a distinção
internacional existe para cha-
mar a atenção da opinião pú-
blica sobre a herança das for-
mas populares e tradicionais
de expressão
Roberto Mendes - músico
"O samba-de-roda é a parte pro-
fana da chula. A chula é o com-
portamento traduzido em canção
e a ritmia é a do semba, cuja pa-
lavra significa uma volta em tor-
no do umbigo. O samba-de-roda
é semba. Talvez agora Santo
Amaro construa um templo da
chula. O que sinto é que os gran-
des mestres da chula não vivam
esse momento agora. Seu Tune,
de Acupe, Seu Messias, Seu Va-
lentim... Seu João do Boi, que es-
tá vivo e mora em São Brás, esta-
va me dizendo outro dia que o
medo dele era morrer e isso não
continuar. Minha maior preocu-
pação é saber como esse patri-
mônio vai ser explorado a partir
de agora. É a hora dos abutres da
cultura brasileira atacarem, os
chamados produtores culturais.
Perspectivas de novos tempos
O
educação musical muito boni-
to. Espero que as crianças se
interessem mais por essa pro-
fissão, que conservem essa cul-
tura, que não deixem ela mor-
rer. Domingo, uns 20 grupos de
samba-de-roda de todo
Recôncavo foram para o Farol
da Barra. Tem vários tipos de
samba, samba duro, samba cor-
rido, samba de caboclo, de chu-
la. Você precisa ver cada um
tocar 15 minutos pra ver que
cada um tem seu estilo. O meu
grupo é bem viajado. Sempre
sou convidada pra apresentar o
samba-de-roda fora do Brasil.
Já estive na Dinamarca, Lon-
dres, Canadá, Itália, Holanda,
Alemanha..."
Ana Celia Medeiros - presi-
dente do samba de roda Raízes
de Angola, integrante do proje-
to da Unesco
" "Esse dossiê aprovado pela
Unesco foi um longo trabalho de
pesquisa, que fizemos exatamen-
te pela falta de apoio do poder
público. Esse reconhecimento
vai nos dar a certeza de que essa
tradição oral e os próprios sam-
badores vão ter uma seqüência.
Fomos inclusive privilegiados
em 2003, quando fomos selecio-
nados para apresentar o samba-
de-roda durante 30 dias em
Montpellier, na França".
Dalva de Cachoeira -presiden-
te do Samba de Roda de Dalva,
integrante do projeto da Unesco
"Esperava tudo isso acontecer, o
nosso grupo foi um dos primei-
ARQUIVO A TARDE
ros daqui. Foi com muito suor
que vinha fazendo esse projeto
para que o samba fosse pra fren
te, dizendo as pessoas que o sam-
ba não pode morrer. Até hoje, a
única coisa que tivemos de apoio
foi o CD que gravamos pela Ba-
hiatursa e mais nada. Até agora,
nós os mais velhos não temos
uma sede para fazer os ensaios.
Espero que agora a gente seja re-
conhecido. Pra mim, é uma satis-
fação e espero que Deus nos aju-
de a ir pra frente"
Nicinha de Santo Amaro -
presidente do samba-de-roda
Nicinha Raízes de Santo
Amaro, integrante do projeto
da Unesco
"Espero que a gente consiga ti-
rar muitas crianças da rua, por-
que temos um trabalho com I Colaborou Laura Dantas
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