José Padilha
Uma conversa franca com o diretor de Tropa de Elite, vencedor do Urso de Ouro no Festival
de Berlim, sobre críticos desinformados, colunistas deselegantes, estudantes estereotipados,
legalização da maconha e o seu outro troféu, o DVD pirata recolhido na casa do ministro Gilberto Gil
A tido do diretor José Padilha, de
das de que aquela havia sido uma sema-
na atribulada. Naquela tórrida tarde de
quarta-feira em que concedia entrevista
para PLAYBOY, ele parecia ter chegado ao
limite de seu esgotamento físico. Calça
jeans, camiseta surrada e sem o bone
com que costuma esconder sua calvície.
· Padilha não lembrava em nada o altivo
cineasta que, apenas quatro dias antes,
de gorro e cachecol, subira ao palco do
Festival de Berlim para receber o prê-
mio máximo da competição, o Urso de
Ouro, das mãos do cineasta grego Cos-.
ta-Gravas, presidente do júri. José Pa-
dilha estava exausto. Mas com a indis-
farçável sensação de dever cumprido.
Aos 40 anos, Padilha transformou-
se no diretor responsável pelo maior
fenômeno cultural da retomada do ci-
nema brasileiro: Tropa de Elite foi visto
66 Não fazemos filmes sobre violência
por excelência. Os festivais é que pre-
ferem esses filmes. Eles selecioname
depois perguntam: Por que será que o
Brasil só faz filmes sobre violência?'99
FOTOS CAMILA MARCHON
por 11,5 milhões de brasileiros antes
mesmo de chegar às telonas, após uma
cópia não-finalizada do filme ter sido
furtada da empresa de legendagem e
distribuída em todo o território nacio-
nal- e no exterior. Antes mesmo da
estréia oficial, o filme já era acusado
de glamorizar a tortura praticada por
policiais do Bope (o Batalhão de Ope-
rações Especiais da Polícia Militar do
Rio de Janeiro), defender a tese de que
traficante bom é traficante morto e,
sobretudo, culpar os usuários de dro-
ga pela violência nas favelas. Por isso,
Padilha acostumou-se a ouvir acusa-
ções de que era um reacionário de ex-
trema direita e defensor do fascismo.
O carioca pacato, casado com uma
arquiteta e pai de um garotinho de qua-
tro anos, viu-se então no meio de um
turbilhão. Além das acusações de boa
parte da crítica especializada, Padilha
enfrentou processos de policiais do Bo-
66 Fui a vários debates em faculda
des. E perguntava: 'Quem considera o
capitão Nascimento um herói?'. Os en
contros reuniram uns 6 mil estudan-
tes. E só uma garota levantou a mão 99
pe que se sentiram ofendidos pela for-
ma como foram retratados no filme.
Tudo isso acontecia ao mesmo tempo
em que Tropa de Elite estourava nas sa-
las de projeção - a despeito das previ-
sões catastróficas de que, por causa da
pirataria, ninguém pagaria ingresso
para vê-lo-e se transformava séti-
ma maior bilheteria do cinema no pa-
ís. Transformou-se num fenômeno de
massa - as expressões "Aspira" e "Pede
pra sair" viraram bordões nacionais.
Contrariando a pressão popular que
queria ver José Padilha no tapete ver-
melho do Kodak Theatre, o Ministério
da Cultura escolheu o filme O Ano em que
Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hambur-
ger, para representar o país no Oscar.
Parecia uma sina: sucesso acachapante
de público, Tropa enfrentava a antipatia
de parte da “inteligência" brasileira.
Curioso que, em seu primeiro filme,
o documentário Onibus 174 (2002) - sobre
66 E bom falar que o filme é fascista.
É uma maneira de se livrar do proble-
ma. O cara escreve que o filme é fascis-
ta e aí não precisa mais pensar nisso,
acende um baseado e pronto. Não é?
MARÇO 2008 PLAYBOY 55