rascunho do ato institucional. Mas, apesar de todas as pres-
sões, o presidente recolheu-se aos seus aposentos e decidiu
deixar a decisão para o dia seguinte. Ao ministro do Exér-
cito, Lira Tavares, ele disse: "Hoje, nada, Lira. Amanhã."
Alheio às pressões dos colegas de farda, o presidente pas-
sou a noite ouvindo música clássica e fazendo palavras
cruzadas. Dormiu mal e, logo ao acordar, ouviu do chefe
do SNI, general Garrastazu Médici, o seguinte comentá-
rio: "O senhor não caiu durante a noite porque é o se-
nhor. Outro no seu lugar teria caído."
O
marechal Costa e Silva sabia muito bem o
que tinha de fazer para continuar na Presi-
dência. Desde a marcha dos 100 Mil contra
a ditadura, no fim de junho, os militares da
linha dura cobravam uma ação enérgica. Ga-
minha não escondia que seu sonho era o
fechamento do Congresso. Finalmente,
era chegada a hora. Numa reunião pre-
liminar, ás 13 horas, o presidente co-
municou suas decisões aos chefes mili
tares, "em caráter sigiloso". Às 16 ho-
ras, foi examinado por seu médico e
uma hora depois deu inicio à reunião
do CSN. Com o presidente na cabecei-
ra, sentaram-se à mesa 24 autoridades.
Costa e Silva fez um pequeno discurso
introdutório e retirou-se da sala por 15
minutos para que os conselheiros les-
sem a integra do AI-5. Quando voltou,
deu a palavra ao vice-presidente da Re-
pública, Pedro Aleixo, político liberal
da UDN mineira. Aleixo defendeu um
remédio constitucional
o estado de
Sítio
e atacou o conteúdo autoritário
do Al-5. "Estaremos instituindo um pro-
cesso equivalente a uma própria dita-
dura", advertiu. Mas ficou por ai. "Em
nenhum momento ele disse diretamen-
te que condenava a promulgação do
Ato", afirma o jornalista Elio Gaspari,
no livro A ditadura envergonhada, pri-
meiro dos quatro volumes que escreveu
sobre o regime militar. Todos os outros presentes deram apoio
ostensivo à medida de força. O jovem e ambicioso ministro
da Fazenda, Antônio Delfim Netto, achou pouco e pediu
mais poderes para legislar sobre matéria econômica e tributá-
ria: "Estou plenamente de acordo com a proposição que está
sendo analisada no Conselho. E se Vossa Excelência me
permitisse, direi mesmo que creio que ela não é suficiente.
Porém, a frase que entrou para os anais como exemplo de
oportunismo e vassalagem foi da lavra do ministro do Traba-
lho, Jarbas Passarinho, coronel da reserva que surgira na
política do Pará em 1964: "As favas, senhor presidente, neste
momento, todos os escrúpulos de consciência."
Sem escrúpulos em relação à ditadura, o Al-5 foi aprova-
ISTOÉ/1987 28/11/2007
do por unanimidade, à exceção de Pedro Aleixo. "Quando as
portas da sala se abriram, era noite. Duraria dez anos e dezoi-
to dias”, resumiu Gaspari, ao narrar a malfadada reunião.
Tanto ele quanto Zuenir Ventura, autor de 1968, o ano que
não terminou, com base nos depoimentos que colheram, con-
cluíram que o episódio que envolveu Márcio Moreira Alves
foi mero pretexto para a linha dura. "O discurso do Marcito
não teve importância nenhuma. O que se preparava era uma
ditadura mesmo. Tudo era feito para levar àquilo", afirmou
Delfim Netto a Gaspari, em meados dos anos 80. Marcito
pediu a palavra no pinga-fogo da Câmara, no dia 2 de setem-
bro, para criticar a invasão da Universidade de Brasilia por
PMs e agentes do Dops em 29 de agosto. Ele acabara de
assistir em São Paulo à peça Lisistrata, do grego Aristófanes,
na qual a personagem principal incita as mulheres de Atenas
a não se deitarem com seus maridos enquanto eles não puses-
sem fim à guerra contra Esparta. Inspirado no texto clássico,
o deputado sugeriu uma greve femini-
na contra os militares durante as come-
morações da Semana da Pátria. E per-
guntou: "Até quando o Exército vai ser
valhacouto de torturadores?" No dia se-
guinte, só a Folha de S.Paulo publicou
um pequeno registro num pé de página.
A linha dura, entretanto, não perdeu
tempo. Em poucas horas, foram distri-
buídas nos quartéis dezenas de cópias
do texto. Nas palavras de Heráclito Sa-
les, assessor de imprensa de Costa e
Silva: "Foi como uma chuva sobre o
Palácio. Uma chuva torrencial de tele-
gramas de todas as guarnições milita-
res, exigindo punição para o autor do
discurso. Uma coisa organizada."
7
CARTA MARCADA O fechamento
do Congresso era planejado havia meses
Poucos dias depois, o ministro do
Exército, Lira Tavares, enviou oficio
ao presidente
Costa e Silva, dizendo-
se "confiante nas providências que
Vossa Excelência julga devam ser ado-
tadas". Lira Tavares não chegou a pe-
dir que Márcio Moreira Alves fosse
processado. O processo saiu da cabeça
do general Jayme Portella, que não ces-
sou de alimentar a crise e de fomentar a indignação da
tropa. Emparedado pelos ministros militares, Costa e Silva
mandou que Gama e Silva estudasse uma fórmula jurídica
para punir o parlamentar. Gaminha não pensou duas vezes:
cabia ao governo pedir à Câmara licença para processar o
deputado. Mas a Câmara sempre negara licença nas tentati-
vas de processo por opinião e votos no exercício do manda-
to parlamentar. O Palácio, porém, não deu ouvidos ao presi-
dente do partido governista, senador Daniel Krieger, que
sugeriu a suspensão do colega. Gaminha se mexeu para
assegurar a vitória na Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara. O governo substituiu nove membros da CCJ para
garantir a aprovação, mas teve de engolir a renúncia do