CLIENTE: Gilberto Gil
VEÍCULO: Tribuna da Imprensa - RJ
SEÇÃO: Tribuna Bis
20/06/2008
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Gil vê delícia e angústia na era virtual
Em “Banda larga cordel”, compositor analisa fundamentalmente
o impacto da tecnologia nas formas de produção popular
Divulgação/Nicole Neuefeind
Por Jotabê Medeiros (AE)
S
ÃO PAULO - Chegou às lo-
jas o novo disco do cantor,
compositor, violonista, acor-
deonista e ministro da Cultura bra-
sileiro Gilberto Gil. “Banda larga
cordel" (lançamento Warner Music
Brasil), como o nome anuncia, su-
gere uma tentativa de aproximação
temática entre o universo da tecno-
logia de informação de ponta e a
cultura tradicional brasileira. Uma
exploração poética das possibilida-
des do mundo high tech - em cho-
que contínuo com a toada low tech
da exclusão cultural e social.
Muitos têm interpretado "Banda
larga cordel" como mais um exem-
plar da fascinação de Gil pelo uni-
verso tecnológico, coisa que vem
desde a Tropicalia, quando ele com-
pôs "Cérebro eletrônico" e "Futuri-
vel" (1969), e que prossegue ao longo
da carreira, com exemplares como
"Cibernética" (1974), “Parabolicama-
rá" (1991) e "Quanta" (1997).
Ouvindo-se atentamente o álbum,
vê-se que não é tão verdade neste
caso. Gil, na realidade, analisa fun-
damentalmente o impacto da tecno-
logia nas formas de produção popu-
lar, no comportamento do povo, na
ambivalência moral que surge com
a novidade eletrônica. A tecnologia
está aí "para o Bem e para o Mal",
foi o que ele disse.
A canção que abre o disco é
sintomática dessa revisão: “Despe-
dida de solteira" foi construída como
se fosse uma daquelas parcerias an-
tigas de Gil com Dominguinhos, e
seu tema explora a reação do tradi-
cional macho nordestino face à li-
beração sexual (que não se funda
mais em uma antiga dualidade). "E
assim nossa prosa prosseguiria/
assunto era instigante, o horizonte
promissor/Excitante para um cabra
tão galante/ Intrigante para uma ca-
brita em flor”, diz a letra. A canção
termina com risadas sarcásticas das
meninas do coro feminino.
E assim o tema das novas mora-
lidades prossegue na segunda can-
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ção do disco, "Os pais”, que fala da
angústia de se criar um filho num
mundo dominado pelo narcotráfico
e por freaks de toda natureza. “Mai-
or liberdade ou maior repressão?
Dilema maior
dessa tal de civiliza
ção.” É como se Gil dissesse: o pai
é moderno, mas a preocupação é
antiga e é a mesma.
Gil liquidifica todas suas refe-
rências musicais. A sonoridade nor-
destina, que ele já tinha fundido
com o reggae no disco em homena-
gem a Bob Marley, agora serve para
seu comentário sobre o paradoxo da
tecnologia chegando ao sertão, o
Ponto de Cultura chegando a Sousa,
ao Vale dos Dinossauros da Paraí-
ba. É esse o invólucro que embalao
forró “Não grude não”, no qual Gil
parece examinar a sua própria con-
dição transitória de ministro da Cul-
tura e suas caravanas pelo interior
do Brasil. "Numa cidade, sodade/
Noutra cidade, sodade/ Quem se
escafede se antecede ao fim do fim."
Mesmo
quando ele parece sair des-
sa discussão, a discussão volta à bai-
la. Por exemplo: na gravação de "For-
mosa", canção de Baden Powelle
Vinicius de Moraes, o samba de Ba-
den é trazido à tona como se fosse
um exemplar de um tempo no qual
se inventava a modernidade, os afro-
sambas ecoando a origem e o futuro.
Uma simples seção de metais turbi-
na o samba. É a mesma sensação que
se tem adiante, como "Samba de Los
Angeles". O que pareceria uma ren-
dição ao império midiático de Ho-
llywood surge apenas como um sam-
binha emprenhado por uma moda de
viola, uma coisa quase rural que se
contrapõe à lembrança freeways
de Los Angeles.
É então que Gil vai à África, mas
não pela via direta. Vai a ela por
intermédio da world music cantada
em francês, que foi a via pela qual a
África passou a ter existência cultu-
ral no Velho Continente. "La renais-
sance africaine" é a segunda música
de Gil com esse apelo (a primeira foi
“La lune de Gorée", parceria com
Capinam, uma de suas mais belas
canções). "É a África e sua missão/
Chave para a verdadeira construção/
Do mundo civilizado." Por baixo de
tudo, um baixo sintetizado e um beat
programado.
Com "Olho mágico", ele examina
as perversões do voyeurismo exage-
rado. Já em "Não tenho medo
morte", depara-se com o envelheci-
mento e o ato derradeiro. É a música
mais bonita do álbum, envolta no
som de um triângulo, mas também
em uma orquestra de cordas (regida
por Jaques Morelembaum). Gil é
prolixo em uma letra (“Banda larga
cordel"), e faz um haikai de outra
(“Amor de Carnaval"). É básico na
formação rítmica de "A faca e o
queijo” e “Outros viram” (que toca
só, ao violão) e escala uma big band
em outra ("Gueixa no tatame"). Além
do “Deus dos esnobes", o sábio po-
eta tropicalista nos mostra que acha-
ve essencial da modernidade ainda é
pensar com clareza. E saber concluir
com graça. Um belo disco.
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