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Documents from Gilberto Gil's Private Archive

Instituto Gilberto Gil

Instituto Gilberto Gil
Brazil

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  • Title: Documents from Gilberto Gil's Private Archive
  • Transcript:
    Há quase cinco décadas Jorge Ben Jor tem oscilado entre fases de superexposição e outras de relativo sumiço. Mesmo nessas últimas, des- de 1963 nunca deixou, nem um minuto sequer, de ser uma das mais completas e transparentes traduções de Brasil. Idéntico ao Brasil, Jorge é uma usina pro- dutora de sambas. Mas são sambas tortos, im- puros, exuberantes, miscigenados, sacudidos por influência norte-americana do funk e da soul music. Iguaizinhos ao Brasil, são sambas mestiços de europeus e indígenas, de quando todo dia era dia de índio, e black music total, música negra brasileira. Historicamente, é criador de letras de imediato poder comunicativo e contundente simplicidade Sob linguagem direta, sem rebuscamentos nem medo de derrapar nas normas cultas da língua, conta histórias simples e não raro tortuosas, mas que todo brasileiro (e mesmo um punhado de gringos) entende num piscar de olhos - o trio formado por "País tropical", "Fio maravilha" e "Taj Mahal" é suficiente para provar e mover a massa, onde e quando for repetido. Suas musas inspiradoras não são garotas bossa nova de Ipanema (mas poderiam até ser, que elas o adoram). Estão mais para meninas do subúrbio, negras, louras, morenas e mulatas de nomes Domingas, Jesualda, Aparecida, Bebete, Berenice, Katarina, Ana Tropicana, Xica da Silva. O próprio Jorge sempre esteve menos para Tom Jobim que para, bem... para Jorge Ben (Ben Jor ele só virou em 1989). Quando está aparecido, Jorge é sucesso simultâneo de público e de, diga- mos, crítica - não há músico suingado dos anos 90 ou 2000 que não goteje influência de sua matriz sonora (e filosófica), dos mangueboys a Seu Jorge, de Fernanda Abreu a Leandro Lehart, de Marisa Monte a Mano Brown. Jorge andava sumido outra vez e ressurgiu no último dia 19 de setembro, numa das maiores casas paulistanas de shows-abarrotada como se ele fosse tema de abertura da novela das nove. Iniciada a apresentação, ficou imediatamente claro que o homem baile não apenas está de volta, mas que alguma coisa muito nova está acontecendo com ele. Ao longo da noite, mostrou que fez as pazes com o adorado disco A tábua de esmeralda, marco na história da música brasileira ao qual permaneceu reticente por muitos anos. Concebido em 1974, era todo forrado de refe- rências à alquimia, a arte quimérica de transformar metais diversos em ouro. Naquele ano, por sinal, não era só Jorge que andava a toda. Tim Maia se convertera ao Universo em Desencanto e fazia propaganda religiosa da organização nos malu- quíssimos LPs Tim Maia Racional. Raul Seixas cortejava a magia negra e alardeava aos quatro ventos a Sociedade Alternativa. A exemplo do que fez Tim com a fase Racional, Jorge trancou no baú aquele capítulo. A entrevista a seguir dá mais uma pista de que algo se move em seu peculiar imaginário. Jorge é desafio árduo para qualquer entrevistador. Geralmente muito reservado, gosta de respon- der com monossílabos e segundo uma lógica interna bem particular. Pois não foi assim desta vez. Atendeu à reportagem de Trip em condi- ções de alta temperatura e pressão, tipicamente "benjorianas", mas, fato raríssimo, falou pelos cotovelos-sobre alquimia, a vida de seminarista, a também discretíssima família, suas relações com rap e funk carioca. A primeira etapa do encontro aconteceu no dia do show paulistano Viajamos ao Rio de Janeiro apenas para encontrá-lo no aeroporto Santos Dumont e embarcar a seu lado para São Paulo. Durante o voo, aconteceu a maior parte da entrevista. Num segundo encontro, a convite dele, Trip conheceu a atual menina dos olhos de Jorge, um sarau chamado Corujão da Poesia, do qual ele é padrinho e mestre de cerimônia. As terças- feiras, numa livraria 24 horas do Leblon, um Ben Jor assíduo (e notívago, talvez insone) faz vezes de MC e conduz uma jam como fundo musical para declamações madrugada adentro. Confirmou-se ali a impressão de que o cantor cultiva apaixonadamente o hábito de permanecer eterna criança. O mesmo Jorge galante que no avião apanhou um punhadão de balas toffee do cesto da aeromoça ("Ah, aceito, essas balinhas me deixam maluco!") reaparece no Corujão, dis- tribuindo presentinhos para poetas: as moças, sacolinhas de São Cosme e Damião; aos rapazes, pipas (ou papagaios, bariletes, pandorgas, como listava em “Olha a pipa", outra música que depois ficou perdida no tempo). À maranhense Lília Diniz, que cantou e de- clamou Patativa do Assaré com voz de trovão, deu uma boneca ("Faz muito tempo que não ganho uma", ela se espantou). Maravilhou-se quando o jovem poeta e palhaço Lucas Castelo Branco encenou com furor um enorme poema de Fernando Pessoa. Num dia em que o menino chamado Jorge estava a toda, ele ainda cedeu à sugestão da produção para uma suada ses- são de fotos e então o inesperado aconteceu: às 3h30 da manhã, Jorge Ben (Jor) tornou-se o que sempre foi, o homem da gravata florida. Tal qual o país em que nasceu e que canta dez de cada dez canções que compõe, parece viver um momento de intenso reencontro consigo mesmo Se por acaso você estranhar suas palavras sobre alquimia e transmutação, experimente escutá-lo não no sentido literal, mas sim no simbólico, no poético. Afinal é disso, de poesia, que o homem verde-negro-amarelo da gravata florida vive em tempo integral. Voa, Jorge, voa. 16 “FIZ DOIS ANOS DE SEMINÁRIO, AQUI NO RIO, E APRENDI LATIM POR CAUSA DA LITERATURA DE SÃO TOMÁS DE AQUINO"
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