A cultura, como o meio ambiente, já foi encarada como um
custo ao desenvolvimento . Vista de outra maneira, torna-se
um manancial de recursos positivos. Trata-se do que o próprio
Banco Mundial denominou win-win, ou seja, 'oportunidades
duplamente vencedoras'. A produção de um conhecimento
abrangente, complexo, capaz de lidar com a multiplicidade, a
fragmentação e as incongruências do real, pode ser a chave
para o duplo win, na gestação de um projeto democrático e
plural de Nação, que incorpore tanto o planejamento tradicio-
nal quanto a gestão das demandas, o imponderável, as surpre
sas, aquilo que Cartola chamaria de 'as voltas que a vida dá',
muitas vezes intangíveis e implanejáveis, mas inexoráveis. Este
nosso diálogo de hoje pode desdobrar-se não apenas em estu-
dos e reflexões, mas também no desenvolvimento de novas
tecnologias e ações culturais que acionem uma espécie de
revolução cultural digital.
Não aquela de Mao Tse Tung, que reeducava o literato para
lavrar a terra, mas uma que desperte no lavrador e no literato
o seu potencial criativo e imaginativo, ainda que para lavrar a
terra, ou para falar dela, e de si, para os que se dispuserem a
ouvir. As novas tecnologias potencializam o movimento básico
cultura e o seu impacto sobre o desenvolvimento. Nosso
desafio não é mais dar o peixe, nem ensinar a pescar, mas
maximizar as pescas que se fazem nas periferias e nos centros
do País.
Desde o início do governo estamos lidando com as imensas
possibilidades e potencialidades da cultura brasileira, medin-
do a realidade a partir dos sonhos, dos desejos e dos projetos
de quem sabe que o Brasil e o povo brasileiro podem e mere
cem muito mais. Também estamos lidando com as impossibi-
lidades, tentando driblar os obstáculos, superar as atrofias,
alargar o horizonte do possível. Mas incorporamos definitiva-
mente esta noção do papel estratégico da cultura para o de
senvolvimento do Brasil. Este conceito de que a cultura consti-
tui uma economia dinâmica, poderosa, inclusiva, o que exige
atenção e ação.
Pensando em tudo o que fizemos e em tudo o que podemos
fazer, estou convencido de que a cultura brasileira é o princi-
pal ativo deste país. Estou convencido também de que o po-
der público, nas três esferas, precisa acordar para o potencial
a que me referi. O que falta não é talento, não é qualidade, não
é vontade, não é capacidade produção, de preservação e
de difusão de bens e serviços culturais. O que falta é política
pública de cultura de verdade!!!
Estamos falando daquilo de que somos feitos enquanto indiví-
duos, enquanto grupos sociais, enquanto sociedade; do que
nos é mais essencial, básico e profundo; do que nos identifica,
nos impulsiona e nos potencializa; daquilo, enfim, que nos faz
brasileiros, para além da carne e dos ossos, ou seja, para além
do que é natureza. Esta essência, que se apresenta de um
modo plural, é a cultura.
O recente Relatório de Desenvolvimento Humano - 2004 da
Organização das Nações Unidas (ONU) destaca o papel es-
tratégico da cultura na atuação dos governos. Também in-
corpora o acesso à cultura como indicador para avaliar a
qualidade de vida e o desenvolvimento. O IDH (índice de
desenvolvimento humano), a partir de agora, põe a cultura
ao lado da educação, da saúde e de outras questões vitais.
A cultura, portanto, não apenas é assumida pela ONU como
tarefa de governo, mas como uma tarefa prioritária, capaz
de definir o grau de desenvolvimento de um país e de uma
sociedade.
E não se trata exatamente da diversidade cultural ou da in-
tensidade da produção cultural, do talento dos artistas, dos
gestores, mas do grau de acesso da população à produção
e à fruição da diversidade e da intensidade. É aí que entram
as políticas públicas. É aí que a cultura se torna um dos
direitos fundamentais do homem. É aí que os governos têm
um papel que o mercado não substitui, até porque se trata
de ajudar a desenvolver o próprio mercado cultural.
A cultura é, portanto, um componente vital da cidadania e um
componente vital do que chamamos desenvolvimento. Para
que ela cumpra o seu papel nessas duas áreas, é fundamental
que o governo crie um ambiente favorável à sua multiplicação,
à sua afirmação, à sua viabilização. Quem faz cultura é a soci-
edade, não é o Estado. Mas ao Estado cabe amplificar as pos-
sibilidades da produção cultural e multiplicar os canais de difu-
são e as oportunidades de acesso.
A cultura também é um dos pontos centrais no que podemos
chamar de projeto nacional”, ou seja, do País que temos e do
país que queremos construir. Na globalização de hoje, os países
em desenvolvimento têm a possibilidade real de uma inser-
ção soberana a partir de estratégias consistentes de cresci-
mento sustentável, inclusão social e desenvolvimento cultu-
ral, incorporando as novas tecnologias da era do conhecimen-
to, da informação, que também é a era da cultura.
No Brasil, a cultura movimenta muito mais do que 1% do PIB
(produto interno bruto). Apenas na cidade do Rio de Janeiro,
para dar um exemplo, as atividades culturais são responsá-
veis por 7% do PIB, empregam diretamente 600 mil pessoas
e geram nada menos do que 2 bilhões de reais apenas em
impostos municipais. Um trabalho recente feito pela Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul mostra que cada 1
real investido pelo poder público em cinema gera mais três
reais para a economia local. Cultura, portanto, também é
economia, e nesta economia da cultura, nós, brasileiros,
temos muito a oferecer e a conquistar. Como diria Câmara
Cascudo, em frase resgatada recentemente por uma
panha: 'o melhor do Brasil é o brasileiro; e o melhor do bra-
sileiro é a sua cultura.'
Temos de fato uma cultura rica, intensa, plural, que é reco-
nhecida no mundo inteiro. Curiosamente, nunca tivemos, à
exceção de um ou de outro momento, uma política pública
de cultura, uma ação de governo, à altura da excelência da
nossa produção cultural e do talento dos nossos criadores.
Há, portanto, um potencial imenso a realizar. E uma dívida
social histórica a resgatar. O investimento nesta área é um
investimento no desenvolvimento do País, com impactos
objetivos e subjetivos sobre a vitalidade da
economia e da
sociedade brasileira. Cultura gera auto-estima e renda. Cul-
tura faz um País. E um povo!!!
Historicamente, porém, os governos têm se omitido do seu