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"O
cipó do jagube é uma
planta do elemento fo-
go, seca e de natureza
masculina, que neces-
sita da umidade para se multiplicar,
apenas os homens trabalham com
ele. A folha rainha é do elemento
água, de natureza fria e úmida, possui
efeito luminoso e sedante, é colhida
apenas pelas mulheres. O cipó, com
sua origem severa, dá a força e corrige
como um pai e a folha dá a luz e con-
forta como a mãe. É um casamento
perfeito, do homem com a mulher,
gerando um novo ser, um filho ilumi-
nado, simbolizado na bebida sagrada
da ayahuasca. A magia vegetal junta
o que se encontrava separado pela
natureza." É desse jeito poético que
a historiadora Vera Fróes, presidente
do Instituto de Estudos da Cultura
Amazônica e pesquisadora do uso de
plantas em rituais das comunidades
indígenas na Amazônia, descreve a
ayahuasca, ou santo-daime, como é
conhecido o chá.
A bebida, que tem uso religioso,
vem ganhando espaço na mídia ulti-
mamente. Isso porque o santo-dai-
me pode se tornar Patrimônio Cul-
tural Imaterial do Brasil. O pedido é
uma iniciativa da deputada federal
Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e
dos representantes das principais
doutrinas que utilizam a ayahuasca,
o "cipó dos espíritos". A idéia é pe-
dir ao Instituto do Patrimônio Cul-
tural e Artístico Nacional que reco-
nheça o uso ritual do chá, resultado
da fervura do cipó jagube com as fo-
lhas da chacrona, como uma mani-
festação cultural do país. O projeto
foi bem recebido pelo ministro da
cultura, Gilberto Gil, e aguarda a
avaliação de uma comissão.
Outra novidade em torno do san-
to-daime é que ele está atraindo
cada vez mais adeptos dentro e fo-
ra do Brasil. Por aqui, o número de
seguidores das principais doutrinas
é estimado em 20 mil. E em países
como Espanha, Holanda, Estados
Unidos e Japão, essa quantidade
cresce a cada ano. "Há duas décadas,
os estrangeiros só podiam conhecer
o santo-daime vindo para cá. Hoje
existem vários centros que o usam
lá fora”, diz a antropóloga Beatriz
Caiuby Labate, organizadora de O
Uso Ritual da Avahuasca (ed. Mer-
cado de Letras/Fapesp) e de mais
outros três livros sobre o assunto. Só
para lembrar: o cantor Sting começa
sua autobiografia relatando um mo-
mento, em 1987, quando participa,
juntamente com a mulher, de um
ritual no Rio de Janeiro.
Afinal, por que o santo-daime atrai
tanta gente? Como consegue fazer
sentido tanto para quem vive no
Amazonas, na comunidade espiritu-
al Céu de Mapiá, o mais conhecido
reduto dos seguidores do chá, como
para quem está em Barcelona? “É di-
fícil definir, mas, em geral, são indi-
víduos que não se identificam com as
religiões tradicionais, buscando um
tipo de vivência com menos interme-
diação entre o 'eu' e o mundo espiri-
tual'. Para uma parte das pessoas, to-
mar ayahuasca é abrir uma porta
na mente e algo muda em sua per-
cepção sobre a vida”, completa Bea-
triz, que estuda esses rituais e afirma
tomar o chá há 11 anos.
SONHO ACORDADO
Para a historiadora Vera Fróes, o
crescente interesse pelo chá tem re-
lação com a busca de um caminho
espiritual. "Se as pessoas buscam cur-
tição, percebem que estão
lugar
errado. Esse é um estudo sério para
quem quer se conhecer. O santo-
A esquerda, o cipo do jagube
representa para os daimistas
o elemento masculino e traz
consigo a força. Apenas os
homens podem manipular
esta planta. Acima, a folha da
chacrona. So a as mulheres se
responsabilizam pelo plantio,
pela colheita e pela limpeza
da espécie. Ela representa
o feminino, com sua luze
capacidade de acolhimento.
agosto de 2008. BONS FLUIDOS 183
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