se com o presidente Lula, Gil reconhe-
ceu que estava vendo a proporção de 80%
de dedicação ao Ministério e 20% às ati-
vidades artísticas se desequilibrar. "Aque-
la dose inicial em que previ trabalhar foi
se desequilibrando um pouco. Eu tive de
me dedicar um pouco mais à carreira)."
Ao realizar um balanço de sua gestão
frente
Ministério, Gil fez uma auto-
crítica e uma crítica a Lula: não ter con-
seguido um orçamento mais generoso
para a Cultura. "As dificuldades todas
com as contas governamentais, o supe-
rávit e essas coisas todas que são co-
nhecidas de todo mundo fizeram com
que não atingissemos a meta de 1% do
Orçamento da União que era o desejado
por nós e o recomendado pela Unesco",
disse um resignado ex-ministro. “O go-
verno do presidente Lula significa uma
refazenda extraordinária do País. Ama-
nhecerá tomate e anoitecerá mamão...",
disse, declamando trechos de sua can-
ção Refazenda, que simbolizaria seu ci-
clo na gestão petista.
Embora respeitado como artista no
Brasil, durante sua passagem pelo Mi-
nistério da Cultura, Gil bateu de frente
com produtores e artistas. Já em 2003
chegou a ser acusado de querer cercear a
liberdade de expressão ao propor a cria-
ção da Agência Nacional do Cinema e
do Audiovisual (Ancinav). "A atuação
dele foi um fracasso. Ele foi ausente, não
poderia estar no cargo dessa forma. Não
combateu a pirataria ostensivamente, tal-
vez porque nunca tenha sofrido pressões",
ataca o cantor Fagner. Mas outros apon-
tam avanços, como o programa Pontos
de Cultura, projeto de baixo custo que
permitiu, em parceria com organizações
da sociedade, a chegada de internet, ilhas
de edição e pequenos estúdios de grava-
ção a favelas, comunidades quilombo-
las e aldeias indígenas. Para o cineasta
Luiz Carlos Barreto, Pontos de Cultura
"foi a iniciativa mais importante que um
político já fez pela cultura do Brasil".
Ao deixar o comando do Ministério, já
que não conseguia mais conciliar a tare-
fa de ministro com a de artista, Gil acer-
tou duas vezes: continuará sendo um em-
baixador da cultura brasileira mundo afo-
ra, ao mesmo tempo que entrega a Pasta
a quem tem condições de dedicar-se a
ela exclusivamente.
.
ISTOÉ/2022-6/8/2008
Leonardo Attuch>
attuch@istoe.com.br
E OS NOSSOS OBAMAS?
Ao que tudo indica, 2008 ficará
marcado como o ano da afirmação
definitiva da raça negra. Barack
Obama será eleito presidente da maior
potência econômico-militar do planeta,
Lewis Hamilton vencerá o campeonato
mundial de Fórmula 1 e o torneio de
tênis mais tradicional do mundo, o de
Wimbledon, já foi decidido pelas
irmãs Venus e Serena Williams. Além
disso, a sensação da música pop, a
britânica Amy Winehouse, faz sucesso
como uma “branca de alma negra",
exatamente o oposto do
rótulo que se atribuiu
no passado ao
compositor brasileiro
Pixinguinha.
Nos Estados Unidos, os afro-
descendentes representam 14% do
melting pot americano e chegaram ao
poder. No Brasil, onde se cultua o mito
da democracia racial, negros e pardos
compõem 46% da população, mas
ainda ocupam uma posição subalterna
na sociedade. Embora desde 2003
exista um ministério para promover
políticas de inclusão racial, faltam
incluídos no próprio setor público.
A parte o ministro Gilberto Gil, já de
saída, onde estão os negros do primeiro
escalão, na Fazenda, no
Banco Central e na área
social? No Brasil, não
há sequer concursos
públicos com reservas
de vagas para negros e
pardos. Enquanto isso,
as agências federais do
governo americano
realizaram quase 50 mil
contratações de
minorias étnicas nos
últimos cinco anos.
O Brasil tem
um ministério
da inclusão
racial, mas
faltam
incluídos
Essa apoteose não é
obra do acaso, mas sim
a conseqüência direta
de um processo que
se iniciou em 1961 nos
Estados Unidos. Naquele
ano, o então presidente
John Kennedy, a quem
Barack Obama já é
comparado, colocou
em prática uma política
de ação afirmativa,
instituindo cotas
nas escolas, nas
universidades e nas contratações do
setor público. Hoje, quando se analisa
o quadro racial dos Estados Unidos, 40
anos após o sonho" e a morte de
Martin Luther King, percebe-se que o
esforço valeu a pena. Mesmo no
governo republicano de George W.
Bush, o cargo mais alto da burocracia
estatal americana, no poderoso
Departamento de Estado, é ocupado
por Condoleezza Rice. Seu antecessor,
Colin Powell, também era negro. E o
atleta mais rico do esporte mais elitista
do mundo é o golfista Tiger Woods.
até mesmo no
setor público
Hoje, é muito
reconfortante olhar
para cima e aderir
à "obamania".
Mas é uma situação
parecida com a dos
fazendeiros brasileiros que
admiravam Abraham Lincoln no
século XIX e continuavam sendo
servidos por seus escravos. Se o
Brasil quiser mesmo ter os seus
próprios Obamas, o único caminho
é enfrentar os conservadores e
abraçar de vez as políticas de ação
afirmativa. E assim recordar a canção
Black is beautiful, imortalizada na
voz de Elis Regina. Aquela que
dizia: "Hoje cedo, na Rua do
Ouvidor, quantos brancos horríveis
eu vi, eu quero um homem de cor".