CLIENTE: Gilberto Gil
VEICULO: Folha de S. Paulo - SP
SECÃO: Cotidiano
DATA: 21/02/2008
"EL COMANDANTE" resolveu
finalmente entregar o bastão.
Sem detença, o governo de
Bush lembrou que o embargo à ilha
de Fidel só pode cair por decisão do
Congresso dos Estados Unidos,
Pois bem. Esses fatos me trouxe-
ram à mente alguns dos belos versos
da canção "Haiti" (letra de Caetano
Veloso; música do próprio Caetanoe
de Gilberto Gil): "E (quando você)
apresentar sua participação inteli-
gente no bloqueio a Cuba/Pense no
Haiti / Reze pelo Haiti / o Haitié
aqui/o Haiti não é aqui".
Trônica e mordaz-mordacissi-
ma-, a letra de Caetano desmascara
muito da hipocrisia brasuca. O in-
quietante refrão ("O Haiti é aqui/o
Haiti não é aqui") faz diretas e indi-
retas referências à nossa realidade.
O Haiti foi a primeira nação negra
das Américas e chegou a ter impor-
tante papel no cenário econômico
PASQUALE CIPRO NETO
Fidel, Cuba, o Haiti, o Pentateuco...
internacional, como grande produ-
tor de açúcar. Depois de idas e vin-
das em embates com a metrópole
(França), da independência, de
drásticas mudanças na cadeia pro-
dutiva, da invasão (no século 20) por
fuzileiros navais americanos, o país
chegou à sanguinária ditadura Doc
(Papa Doce Baby Doc) e à condição
demais pobre país das Américas.
O Haiti ocupa um pedaço de uma
ilha do Caribe; o outro pedaço dessa
ilha é ocupado pela República Do-
minicana, onde, em 1492, desem-
barcou Cristóvão Colombo. Perto
dali fica Cuba, que, desde 1962 (três
anos depois da chegada de Fidel ao
poder), sofre embargo econômico
Para que se entenda o texto
A, é necessário conhecer os
textos B, C, D, E e/ou F, com os
quais o texto Adialoga
dos Estados Unidos, fato citado por
Caetano Veloso na letra de "Haiti".
Ufa! O que acabo de escrever é o
mínimo do mínimo para que se en-
tendam algumas passagens da letra
de uma canção popular como "Hai-
ti", cujo autor, sempre inspirado, faz
o que hoje é "ordem" na educação: a
intertextualidade, a interdisciplina-
ridade. Na aula de texto, não se pode
prescindir das explicações vindas da
história, da geografia ou da geopoli-
tica, por exemplo, assim como de
terminadas passagens de textos téc-
nicos, filosóficos ou científicos mui-
tas vezes só ficam claras depois da
devida análise morfossintática.
Nesta semana, ouvi no rádio uma
matéria sobre uma página
(www.machadodeassis.unesp.br)
que homenageia Machado, no cen-
tenário de sua morte. Uma das pro-
fessoras sáveis pelo site citou
elementos que poderiam ajudar os
"visitantes" a entender melhor a
obra de nosso grande escritor. Um
desses elementos foi a erudição.
Sim, em várias passagens de sua
obra, Machado revela erudição filo-
sófica, teológica etc. No início de
"Memórias Póstumas”, por exem-
plo, o Bruxo do Cosme Velho cita o
"Pentateuco" (a coleção dos cinco
primeiros livros do "Velho Testa-
mento"): "Moisés, que também con-
tou a sua morte, não a pôs no intrói-
to, mas no cabo: diferença radical
entre este livro e o Pentateuco",
Pois é, caro leitor. Os textos "dialo-
gam", o que não é nenhuma novida-
de. Para que se entenda o texto A,
muitas vezes é necessário ter conhe-
cimento dos textos B, C, D, E e/ou F,
com os quais o texto A "dialoga". Em
tempos como os de hoje, em que não
se pode nem mais fazer referência a
fatos surrados (porque muita gente
não os conhece), fica difícil (senão
impossível) falar em intertextuali-
dade ou interdisciplinaridade. A or-
dem, pois, é ler, ler, ler. É isso.
inculta@uol.com.br
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