CLIENTE: Gilberto Gil
VEÍCULO: Correio Popular - Campinas
Caderno C
20/06/2008
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DATA:
Político fala mais alto que o artista
Cedoc/RAC
/ MÚSICA /
Ministro da
Cultura lança o
disco Banda
Larga Cordel
|| José Flávio Júnior
I DE SAO PAULO
Em entrevista coletiva para di-
vulgar Banda
Larga Cordel
(Wamer, R$ 30,00), Gilberto Gil
afirmou que "este disco é para
dizer: 'Estou de volta, me recon-
ciliei com a musa'". Será que a
musa concorda com ele?
Trabalho é retrato
de músico talentoso,
mas enferrujado
Primeiro disco majoritaria-
mente de inéditas desde Quan-
ta (1997), Banda Larga é o re-
trato de um músico talentosíssi-
mo enferrujado, que não canta
como antes e não vai encon-
trar inspiração na marra, só
por estar em processo de saída
do governo Lula (saída que
vem sendo anunciada há tem-
pos, diga-se).
No site feito para o lança-
mento do trabalho, há o seguin-
te comentário sobre la Renais-
sance Africaine: "É um exem-
plo de terceirização' da criativi-
dade, como o próprio Gil gosta
de chamar, que veio adotando
nos últimos trabalhos e, sobre
tudo, nesse, em função da
PAG.: C3
Gilberto Gil se ressente do trabalho no ministério, que lhe toma muito do seu tempo: “Ninguém obrigou
agenda ocupada no ministé-
rio. Não por acaso, a faixa é
uma das piores do disco. Mos-
tra que Gil
, além de todos os
problemas acarretados pela dis-
tância da musa, terceirizou sua
criatividade com as pessoas er-
radas.
O disco tem a mão pesada
do produtor Liminha, o baixo
antiquado de Arthur Maia, as
programações equivocadas e
os timbres feios de guitarra do
filho Bem Gil. E não tem unida-
de. Começa festeiro, com xotes
e reggaes cheios de vocais de
apoio bregas (a cargo de Nara
e Preta Gil); na sétima canção
fica mais denso e delicado, re-
velando suas maiores qualida-
des; e termina eletrônico e pe-
sado, irremediavelmente cha-
to. São praticamente três EPs,
ou três inicios de discos, que
Gil provavelmente teria tempo
de concluir se não tivesse a pas-
ta da Cultura para cuidar.
O ministério, porém, não de-
veria ser usado como desculpa.
Ninguém obrigou o artista a vi-
rar político. Mas o político fala
mais alto que o artista na faixa-
título. Apesar de sugerir algo
erótico nos versos "Pos na bo-
ca, provou, cuspiu/ É amargo,
não saber o que perdeu/ Tem o
gosto de fel, raiz amarga", ela
trata da inclusão digital em Pi-
raí (RI). Cita um menino que
o artista a virar político"
quer iPod, outro contratado do
Google, e o YouTube chegando
aos grotões do Brasil. Tanta gen-
te elogiou Pela Internet, lançada
há 12 anos, que Gil acreditou
nesse tipo de letra. Uma pena.
Sensibilidade
O curioso é que em outro mo-
mento do CD, na balada Olho
Mágico, ele aborda um assunto
atual com rara sensibilidade.
Criada para o flopado reality
show Retrato Celular (exibido
pelo Multishow em 2007), a
música reflete sobre o interes-
se despertado por esse tipo de
programa. E quase um manifes-
to anti-reality shows, que des-
creve situações íntimas, com
bom humor e direito ao infa-
me cacófato "quer alho?".
Outro bom tema está em A
Faca e o Queijo. Gil canta o
amor maduro pela mulher, Flo-
ra, a chama que não mais infla-
ma e a vontade de ser criança.
Como em Olho Mágico, o ar-
ranjo é singelo, sobra
pouco es-
paço para que a terceirização
arruíne tudo
Outros Viram é ainda mais
interessante porque só traz Gil
e seu violão. Registrada em Re-
virão (2006), de Jorge Mautner,
versa sobre o que estrangeiros
viram de fantástico na miscige-
nação brasileira. As vésperas
da eleição de um presidente
americano mulato (Obama) ou
de um que viveu uma aventura
amorosa da juventude no Rio
(McCain), a canção ganha
mais força.
Em Os Pais, outra de Revi-
rão, ótima letra sobre liberda-
des atuais se perde num arran-
jo canhestro. No CD de Maut-
ner, ela é guiada pela irreveren-
cia de Moreno Veloso, Domeni-
co e Kassin. Gil até cita nomi-
nalmente o trio em Máquina
de Ritmo, mas ainda não notou
que precisa de uma turma no-
va. Quem sabe gravar com o
Instituto? Ou dividir o palco
com a Macaco Bong no festival
Goiânia Noise? Dar uma guari-
bada geral para reconquistar a
musa de vez. (Da Folhapress)
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