Loading

Documents from Gilberto Gil's Private Archive

Instituto Gilberto Gil

Instituto Gilberto Gil
Brazil

  • Title: Documents from Gilberto Gil's Private Archive
  • Transcript:
    ENTREVISTA_juca de oliveira mos nenhuma restrição. Teve um pe- ríodo no Arena em que colegas nossos participaram de experiências com mescalina. Nós não participávamos. Éramos de uma organização política que achava que, em função de uma lucidez política, essa era uma experi- ência de que não se deveria participar. Quem eram seus companheiros de copo? Eram todos da classe teatral. Nos reunimos durante 25 anos, to- dos os dias, no restaurante Gigetto região central de São Paulo), da meia- noite às 4h da manhã. Guarnieri, Flávio Rangel, Antunes Filho, Pau- lo Autran, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Tônia Carrero, Armando Bógus, John Herbert, Eva Wilma, Francarlos Reis, Renato Consorte, para citar apenas os mais assíduos. 66 Lembra de algum porre homérico? Porres homéricos não cabiam - infe- Ganhava bem, mas lizmente - na disciplina rigida do par fiquei deprimido na TV. Minha mulher disse: “Volte para o teatro'. E eu: 'Sair? Mas e o scotch!?' E ela: 'Volte a beber cerveja! 9 tidão. Mas, por volta de 1962, 1963, o partido celebrou um intercâmbio cul- tural com artistas russos, que nos visi- tavam com freqüência. Para recepcio- ná-los, o ex-atleta olímpico Willy Otto Jordan ofereceu um jantar. Guarnieri eeu, paupérrimos e inexplicavelmen- te convidados, metemos nossa única roupeta de festa e nos mandamos para a mansão da Avenida Brasil. O jantar foi de arrepiar: vodca, salmão do Mar Cáspio, caviar do melhor esturjão e champanhe da Criméia. Depois, nos postamos no bar degustando vinhos, champanhes e licores. O tempo pas- sando, os convidados diminuindo, nenhum russo à vista, a gentileza dos garçons extinta e nós lá. Até que o mor- domo nos mostrou que não havia mais ninguém. Guarnieri então disse, pro- letariamente solidário: "Não se preo- cupe, companheiro. Vãoarrumando as suas coisas. A gente só vai tomar a sai- deira, fiquem à vontade..." E, no que estiquei o braço para alcançar a última taça de champanhe, senti uma tenaz de aço me levantando da banqueta. Era o Willy Otto Jordan que nos levava, um sob cada braço, até a saída. Nos deposi- tou na calçada e bateu o portão de ferro na nossa cara, nos deixando sozinhos ali na madrugada gelada. Nunca mais fui o último a sair de uma festa... 80 PLAYBOY Na época mais dura do regime militar, você assumiu o Sindicato dos Atores de São Paulo (1968-1977). E investiu contra as experiências de vanguarda no teatro. Você considera que esta era uma vertente alienante? Nós éramos comunistas e tínhamos certa obediên- cia política. Além disso, existia uma realidade concreta para que nós nos colocássemos contra: imediatamente depois do golpe e da ação da censura, houve um imenso vácuo no teatro. Aí entrou o teatro de vanguarda. Nós fazíamos uma análise política e, de repente, tínhamos um ponto de vis- ta que considerávamos empobrece- dor para a análise de uma realidade complexa como aquela sob a ditadura. OUTUBRO 2008 A televisão foi uma salvação para a classe artística brasileira depois do golpe? Exatamente. Proibidos, os es critores do teatro social foram para a televisão. Todos eles: Dias Gomes, Via ninha... E, na esteira dos autores, os atores. Eu fui um dos últimos. Pessoal de teatro não queria saber de televisão. Mas, com essa situação, passaram a fazer o "teleteatro". Um ou dois anos depois, vieram as telenovelas. Fiz te- lenovelas de 1964 a 1971 na TV Tupi, mas nunca deixei o teatro. As gran- des peças da minha vida, os prêmios que ganhei, foram nessa época: A Co- zinha, o Edifício 200, Dois na Gangorra... E como foi a sua ida para a Globo? No final de 1971, recebi um convite do Walter Clark (diretore executivo de TV] e do Boni José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex vice-presidente de Operações da Globo) para ir para a Globo. Era impensável o que eles pagavam comparado com o que eu ganhava em São Paulo. Fui com a con- dição de continuar fazendo teatro. Fi- quei no Rio de 1972 a 1978, quando tive um grave problema de consciência, Foi esse problema que levou você a deixar a televisão no auge como ator [em 1978, depois de Pecado Rasgado, de Silvio de Abreu]? Fiquei deprimi do, pois não estava me dedicando ao teatro como queria e achava que as ra- zões que me tinham levado à televisão já haviam cessado. Um dia me deu um estalo e falei para a minha mulher que eu iria deixar a televisão. Era difícil, pois eu tinha um dos maiores salários da Globo. Comprava um carro todo ano, tomava champanhe, whisky 12 anos... Minha mulher me ajudou mui- to. Ela dizia: "Se você quer sair, volte para o teatro". E eu: "Mas como eu vou sair? E o scotch!?" (risos). Ela então su- geriu que eu voltasse à cerveja (risos). Foi nessa época que começou a car- reira de autor? Com o teatro, eu ti nha um tempo enorme para escrever. Escrevi Baixa Sociedade (1978), montei a peça e foi um grande sucesso. Depois fiz Motel Paradiso (1982), que foi um su- cesso maior ainda, e assim foi. Acho que, pelo fato de eu ter rompido com a televisão para viver meio na miséria - uma opção franciscana-, devo ter sido bafejado pelas musas do teatro. Elas gostaram e inocularam na minha ca- beça o talento de escritor. Eu acredito! Mandei fazer duas estátuas das mu- sas do teatro (Melpomene e Tália, da tragédia e da comédia) com suas más- caras na minha fazenda em Itapira. Foram quase 17 anos longe da tele- visão, até voltar, em 1994, com Fera Ferida, de Aguinaldo Silva. Por que voltou? Porque acho importante. Você não pode é fazer só televisão. Tem de alternar as duas coisas. O teatro é a pá- tria do ator, é onde você afina seusins- trumentos expressivos e, sobretudo, cria personagens com tempo. Quando você sai do teatro para a televisão, tem um arquivo enorme de personagens.
    Hide TranscriptShow Transcript
Instituto Gilberto Gil

Get the app

Explore museums and play with Art Transfer, Pocket Galleries, Art Selfie, and more

Home
Discover
Play
Nearby
Favorites