CLIENTE: Gilberto Gil
VEÍCULO: Folha de S.Paulo-SP
SEÇÃO:
Cotidiano
CLIPPING
SERVICE DATA:
26/07/2009
M MEIO a uma concorrida ce-
rimônia, o presidente Lula
Roussef lançou, na quinta-feira pas-
sada, provavelmente a última bolsa
de sua gestão, dessa vez para estimu-
lar os trabalhadores a comprar li-
vros e frequentar museus, teatros,
cinemas, exposições e concertos.
satisfação foi quase generalizada.
A estimativa de R$ 7 bilhões por
ano (sete vezes mais do que toda a
arrecadação da Lei Rouanet) signifi-
ca mais plateia aos artistas. Para os
empresários, a chance de agradar a
seus empregados e, ainda por cima,
O Vale Cultura tem o mérito de ir di-
dores, mais um beneficio.
abater do imposto; para os trabalha- reto para o bolso do trabalhador,
justamente quem mais precisa -
parecido com a vantagem do Bolsa
Família, que acerta, em geral, no fo-
co dos mais vulneráveis.
Vai usá-lo bem?
E, enfim, para o governo, apoio de
um segmento que pode influenciar
nas eleições que se aproximam e
serve para reduzir, em determina-
dos setores, os danos causados pelas
mudanças anunciadas da reforma
da Lei Rouanet, criticada especial-
mente no eixo Rio-São Paulo.
Minha desconfiança está baseada
na experiência iniciada, no ano pas-
Receio que estejamos diante de
mais um espetáculo de desperdício,
contracenado pelo presidente e por
um grupo de artistas, de olho, res-
pectivamente, no que entra nas ur-
nas e nas bilheterias.
Uma das razões da reforma da lei de
incentivo fiscal foi a percepção do
desperdício, seja porque os shows e
as obras patrocinadas eram um lixo,
seja porque alguns deles tinham via-
bilidade comercial. Na semana pas-
sada, Caetano Veloso voltou a recla-
mar por ser vítima de ataques levia-
nos e injustos por ter pedido R$ 2
milhões em dinheiro público para
seus shows, cuja plateia está sempre
lotada e os ingressos são caros.
Vamos reconhecer que o extraor-
dinariamente talentoso Caetano é
um indivíduo honesto, sempre teve
preocupação com a desigualdade e
não estava fazendo nada fora da lei.
Mas, obviamente, não parece sensa-
to dinheiro público, num país pobre,
bancaro divertimento dos ricos.
O país vem aprendendo, aos pou-
cos, a discutir a aplicação do impos-
GILBERTO DIMENSTEIN
O espetáculo eleitoral
O Vale Cultura, para o
governo, significa o apoio
de segmento que pode
influenciar nas eleições
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to e aí se inserem desde as desco-
bertas sobre os laços sagrados da fa-
mília Sarney, passando pelos patro
cínios (inclusive para manter em-
pregos de ex-sindicalistas) da Petro-
bras, até os bilhões para aumentar a
folha de pagamentos.
a saber usar as informações.
A quantidade de ofertas de quali-
dade é muito maior do que se imagi-
nava, mas muitas delas eram pouco
frequentadas pelas pessoas
nor poder aquisitivo. Não poucas fi-
cam vazias.
banco dados na internet, batiza-
do de Catraca Livre, reunindo as
ofertas culturais e educativas gratui-
tas ou a preço popular da cidade de
São Paulo. Com esse banco de dados,
da periferia (favela de Helió
polis, por exemplo) foram treinados
sado, por estudantes dos cursos de
Na prática, é como se já existisseo
Vale Cultura, bancado pelas mais di-
comunicação da PUC, USP, Mac-
kenzie e Metodista, da qual partici-
versas entidades como Sesc, Sesi,
po. Eles se dispuseram a montar um governo estadual e municipal, além
de universidades e projetos patroci-
nados por empresas. A frequência às
bibliotecas municipais é baixa-eis-
so explica, em parte, o absurdo de fi-
carem fechadas aos domingos e até
aos sábados,
Há uma chance grande de boa par-
Adams Carvalho
te do dinheiro do Vale Cultura ir pa-
ra produtos e eventos de alto impac-
to popular, mas com baixo teor edu-
cativo - livros de autoajuda, filmes
de comédia ou shows de música ser-
taneja
ou pagode, por exemplo.
*
Leitores devem estar considerando
esse comentário elitista. Se é para
lançar um programa dessa enverga-
dura, deveríamos perguntar se o tra-
balhador irá a bons espetáculos, ex-
posições ou concertos. Cada um faz
o quiser com seu dinheiro. Mas re-
livros de autoajuda, comédias ro-
mânticas ou grupos de pagode. Nem
aos shows de Caetano, Maria Bethâ-
nia ou Ivete Sangalo -aliás, nem ca-
marote de Carnaval de Gilberto Gil.
Faria mais sentido se essa bolsa
fosse dada para alunos de escolas
públicas, com direito a levar os pais
aos eventos culturais dentro ou fora
da escola, e se ensinasse os professo-
res a usar a cultura acoplada ao cur-
rículo escolar -aliás, esse é o mode-
lo do projeto Mais Educação, disse-
minado pelo país pelo próprio go-
verno federal, Em São Paulo, ir aos
museus, cada vez mais interativos,
como os do futebol, ciências e lingua
portuguesa, virou objeto de desejo
dos alunos mais pobres.
Talvez não seja o melhor jeito de
agradar aos artistas e ganhar votos,
mas é o melhor para formar plateias.
*
PS - A experiência realizada pelos
universitários com os jovens da pe-
riferia, treinados para usar os recur-
sos da cidade, mostrou que, aos pou-
cos, uma parte deles vai tomando
gosto em ampliar seu repertório.
Basta ver o exemplo de Heliópolis,
onde se nutre o hábito de ouvir con-
certos por causa de orquestra sinfo-
nica. A rádio da favela começou a
anunciar, neste ano, 15 vezes por dia,
as atividades culturais gratuitas e
populares e já começa a se ver
maior interesse
dos jovens.
gdimen@uol.com.br
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