ENHORA ARQUIVO PESSOAL
adeptos das igrejas pentecostais migra-
ram dos terreiros dificil disputar fiéis
com os evangélicos? Nós não disputamos
fiéis com ninguém. Digo de novo: religião
não se impõe. E não precisamos desquali-
ficar a outra religião para promover a nos-
sa. Não somos iguais a eles, ainda bem.
Recentemente, o prefeito de Salvador João
Henrique, evangélico, autorizou a derru-
bada do terreiro Oyá Onipó Neto. O que a
senhora achou disso? Ele derrubou o Oya
Onipó e nós reagimos (representantes de di-
versos terreiros de candomblé e do movimen-
to negro lideraram uma passeata em direção à
prefeitura, exigindo um pedido de desculpas
formal de João Henrique). Ele pediu des-
culpas e se comprometeu a reconstruir o
terreiro e regularizar os outros. Não há uma
perseguição direta do prefeito ao Afonjá. E
nem terá. Ele sabe que somos fortes.
Mãe Aninha, sempre polêmica, provocou
um escândalo no começo do século passa
do, sobretudo entre os católicos, ao afir-
mar, categoricamente, que Jesus Cristo
era negro. A senhora concorda? Você quer
que eu entre na polêmica, né? Não, não
vou entrar. Não vamos ganhar nada fa-
zendo esse tipo de provocação aos católi-
De pé, à dir., Māe Stella com Mãe Senhora (sentada, à dir.), a ialorixá do lle Opo Afonjá nos
anos 50. Ao lado de Jorge Amado: "A gente tinha formas diferentes de pensar a religião".
cos. Quando Mãe Aninha fez essa afirma-
ção, ela, muito culta, se baseava em fatos
puramente históricos. Os pais de Jesus,
fugindo da perseguição do rei Herodes, le-
varam Jesus para o Egito. Egito é um pais
africano... Mas, na verdade, isso não tem
tanta importância assim.
Qual a sua opinião sobre o sistema de co-
tas para negros nas universidades brasi-
leiras? Você deixou para o fim as pergun-
tas mais polêmicas, né? Ah, meu filho, não
quero comprar briga com os movimentos
negros da Bahia. Estou com 83 anos, não
tenho mais disposição para a polêmica.
Vou insistir: a senhora é contra o sistema
de cotas ou a favor dele... Sou contra. Ele
apenas reforça o preconceito com os ne-
gros. Vão sempre dizer: "Aquele ali con-
seguiu de ajuda para entrar em uma uni-
versidade porque não tem capacidade de
competir com a gente” Eu tenho aqui na
escola pública do Afonjá alunos brancos e
negros. E vejo que todos têm as mesmas
chances de ingressar numa universidade.
Caetano Veloso prefere ver Gilberto Gil,
que foi iniciado pela senhora, longe da
política. E a senhora? Gosto de Gil como
pessoa, não me importa a posição. Ele é
um homem iluminado e de hábitos sim-
ples. Mesmo depois de se tornar ministro,
continuou próximo de sua gente. Está bom,
meu filho? Podemos terminar?
O Vaticano é contra o uso de preservati
vos e prega que a fidelidade no casamen
to, a castidade e a abstinência são as me
lhores maneiras de impedir a propagação
da Aids. Qual a sua opinião? A minha res-
posta será pessoal – não vou dizer qual é a
posição como líder religiosa. Proibir o uso
de preservativo é algo perigoso. E não con-
cordo com a defesa da castidade. Num en-
contro mais intimo é natural que tenha se-
xo, desde que se respeite o corpo.
E sua opinião sobre o aborto? Sou contra.
Por tradição, as sucessões nos terreiros
são marcadas por disputas internas. O do
Opô Afonjá vai fugir à regra? Confusão
sempre há. Estou preparada e tranquila.
Consegui, ao longo desses anos, formar
uma ótima equipe, à altura das tradições do
Afonjá. Vamos ver como será a sucessão.
Os búzios vão decidir. Mas peço todos os
dias a Xangô para que a próxima ialorixá
seja ainda melhor do que eu fui.
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