A tortura desceu aos porões das Forças Arma-
das. Nos números considerados mais precisos
pelos movimentos de direitos humanos, somam
456 mortos e 144 os desaparecidos políticos do
regime de março de 1964 - uma história ainda
hoje desfecho, trecho final que talvez venha
muito ligada à UDN, partido que apoiou o golpe
de 64, Carvalho acolheu a "Redentora" -comoo
golpe ou "revolução de 64" também era chama-
do. "Para você ter uma idéia, em 1964 eu saí às
ruas para agradecer a Deus por ter livrado o Bra-
sil do comunismo”, conta. A violência desenca segundo o testemunho de Passarinho.
deada pelo Al-5 o levou a repensar a vida.
da Casa Militar para uma conversa com o gene-
ral Jayme Portella. "Olha, o presidente só não
caiu ontem por que era ele,
Costa e Silva", disse
Portella, aludindo a um suposto prestígio que
o presidente ainda tinha nas Forças Armadas,
sem
"Quando houve a
a prisão do frei Betto,
claro que achei estranho prender padre,
mas também me perguntava: O que é que
esse padre tem de se meter em política?",
lembra. "Mas quando aconteceu o AI-5,
acendeu uma luz na minha cabeça."
a ser escrito no Judiciário, onde tramitam ações
que exigem da União o esclarecimento sobre o
destino dos combatentes e a condenação de tor-
turadores. Era como se um setor das Forças Ar-
madas tivesse decretado: a partir
de agora não
damos satisfação para ninguém, opinião públi-
ca, igreja, imprensa, organismos internacionais.
Ou "isto aqui é o inferno e o porteiro do inferno
sou eu — esse é o AI-S", como diz Martins.
Serra a presidira a a UNE. Martins, que fazia a
Faculdade de Economia da Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro (Uferj), dirigira a União
Metropolitana dos Estudantes. E Dilma era da
Polop. Mas o Al-5 mudou a cabeça também de
quem nem de longe poderia ser classificado
como integrante da "guerra revolucionária
subversiva", no falar dos militares.
Na noite do dia 12, os generais do 1º Exérci-
to estavam rebelados. Um deles, Moniz Ara-
gão, teria dito: "Se o chefe vacila, ultrapasse-
mos o chefe." Os generais foram falar com o
presidente, que já havia conversado com o mi-
nistro do Exército, subira para seus aposentos
e deixara uma ordem expressa com Portella:
"Não diga que estou dormindo. Diga que não
recebo", conta Passarinho. "Era deposição."
O motivo para a edição do AI-5 fora a recusa
da Câmara em conceder licença para o gover-
no processar o deputado Márcio Moreira Alves
por um discurso no qual supostamente ofen-
dera as Forças Armadas (a ata e o áudio da
"missa negra" estão disponíveis na internet e
são um precioso registro da circunstância em
que o Al-5 foi editado). Atualmente, Moreira
Alves encontra-se em recuperação de um gra-
ve problema de saúde e está, por determinação
A cerca de mil quilômetros do Palácio das La- médica, impedido de exer
exercer qualquer ativi-
ranjeiras-onde o governo Costa e Silva celebra- dade. Naquele dezembro de 1968, era o pre-
va a "missa negra", na a expressão do jornalista texto para o endurecimento do regime.
Elio Gaspari -, na pequena cidade de Cornélio Três vezes ministro do
militar, ex-
governo
Procópio (PR), uma antiga estação da ferrovia governador do Pará e depois senador, o coro-
Paraná São Paulo, um jovem seminarista cum- a reserva Jarbas Passarinho está convenci-
pria o noviciado, antes de ser ordenado padre. do de que Costa e Silva seria derrubado naque-
Era Gilberto Carvalho, hoje chefe de gabinete do le dezembro se não cedesse à pressão da linha
presidente Luiz Inácio Lula da Silva Filho de dura das Forças Armadas. Antes da reunião do
uma família de trabalhadores de origem rural CSN,Passarinho passou pelo gabinete do chefe
Cerca de oito meses mais tarde, Passarinho te-
ve uma conversa com Costa e Silva, qu
a, que julga seu
dever revelar. Era agosto de 1969. Costa e Silva
conta que constituíra uma comissão de juristas
para elaborar uma nova Constituição, que pre-
tendia outorgar em 1º de setembro. No dia 7 ele
presidiria o desfile militare depois atravessaria a
rua rumo ao Palácio Duque de Caxias, de onde
faria um pronunciamento em rede de rádio ete-
levisão, “reconvocaria o Congresso, já com a no-
va Constituição, e praticamente revogaria o AI-5
eoutras medidas de exceção".
Passarinho depõe: "O presidente pôs a mão
nos meus ombros e disse assim: 'Eu marcho
sobre baionetas.' Ele ia ter de enfrentá-los.
Mas hoje eu tenho dúvidas se ele acertaria. Ha-
via uma guerra revolucionária em marcha. Is-
so foi no primeiro dia de agosto. No dia 26, ele
[Costa e Silva) estava praticamente morto."
AGÊNCIAO GLOBO
marcou CO-
Na reunião do CSN, Passarinho foi o primeiro
a falar abertamente que o país estava entrando
em uma ditadura. Num jogo de palavras, disse
que a ditadura o repugnava como a Costa e Silva.
No entanto, fez uma ressalva que o
mo uma tatuagem: "Mas me parece claramente
que é esta que está diante de nós.
S. (...) As favas, se
presidente, neste momento, todos os escrúpulos
de consciência" Marcado ou não, Passarinho
curte sua
te sua aposentadoria, em Brasília, ainda mui-
to ativo por causa de sua memória do período:
freqüentemente é chamado a fazer palestras, es-
crever artigos e até dar cursos a militares.
Menos famosa que as elucubrações de Passa-
rinho ficou a intervenção do ministro Delfim
Netto. Percebendo a oportunidade que se abria,
o então ministro da Fazenda não só concordou
com a edição do Al-5 como sugeriu que fosse
ampliado para dar poderes para o presidente fa-
zer mudanças constitucionais
necessárias". Dessa maneira, Delfim ganhou os
superpoderes para gerir a economia, fazer com
mão de ferro uma reforma tributária a reforma
atual tramita há mais de 15 anos no Congresso)
e vir a ser conhecido, mais tarde, como o czarda
economia brasileira. Ele foi o ministro da econo-
mia mais poderoso que o Brasil já teve.
Ao lado do ministro da Justiça, Gama e Silva, o locutor Alberto Curile o AI-5 e explica ao país as razões do governo militar
6 Valor Sexta-feira e fim de semana, 28, 29 e 30 de novembro de 2008