ESPECIAL 1968
dantes carregaram o corpo de Edson Luis em passeata até o
prédio da Assembléia Legislativa (hoje Câmara Municipal).
No dia seguinte, cerca de 20 mil pessoas, entre estudantes,
artistas e intelectuais acompanharam o enterro de Edson Luis
até o cemitério São João Batista aos gritos de "Abaixo a
ditadura!" e "O povo organizado derruba a ditadura!"
D
epois disso, ocorreram novas passeatas, re-
primidas com violência. Acuada, a ditadura
mostrava os dentes. O dia 21 de junho pas-
saria à História como a Sexta-feira San-
grenta, a jornada mais violenta de confron-
tos de rua entre policiais e estudantes. Des-
ta vez, como lembra Elio Gaspari em A ditadura envergo-
nhada, "os jovens não eram secundaristas anônimos (...).
Eram os dourados filhos da elite". A eles se juntaram popu-
lares e trabalhadores. A polícia, por sua vez, tinha ordens
para atirar. Durante cerca de dez horas, o centro do Rio
assistiu a uma violenta batalha campal, com estudantes en-
frentando a tropa de choque a pau e pedra e populares jogan-
do do alto dos edificios vasos de flores, tijolos, cadeiras e até
uma máquina de escrever. No final, 23 pessoas foram balea-
das, quatro mortas inclusive um soldado da PM atingido
por um tijolo - e 35 soldados feridos.
"A classe média acompanhava o conflito bastante emo-
cionada, porque seus
filhos estavam envol-
vidos e correndo
grande perigo", escre-
ve o jornalista Fritz
Utzeri no prefácio do
livro 68: destinos.
Passeata dos 100 mil,
do fotógrafo Evandro
Teixeira (a ser lança-
do em 2008). "Nasci-
am ali as condições de
uma grande manifes-
tação de protesto e re-
púdio à ditadura": a
Passeata dos 100 Mil.
Ela aconteceu na quar-
ta-feira 26 de junho e,
desta vez, com a poli-
cia ausente, não hou-
ve incidentes. "A mul-
tidão começou a mover-se, cantando o hino que seria o favo-
rito da esquerda e da luta armada, o da Independência, prin-
cipalmente a estrofe: 'Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo
Brasil'. O Hino Nacional havia sido apropriado pelos milita-
res", diz Utzeri. "A Marcha dos 100 Mil foi o troco da
Marcha da Família, com a qual, quatro anos antes, a classe
média expressou seu apoio ao golpe. A roda da história gira-
va e o governo, pela primeira vez, estava na defensiva
Foi o apogeu da mobilização estudantil. A partir dai, o
movimento cometeu uma série de erros políticos, foi per-
dendo o apoio da classe média e entrou em descenso. Parte
dos estudantes já se inclinava para a luta armada, organiza-
da por grupos de extrema-esquerda. Ainda em junho, um
grupo da organização Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR) atacou com bombas o quartel do II Exército em São
Paulo, matando o soldado Mário Kozel Filho. No mês se-
guinte, outra organização, o Comando de Libertação Nacio-
nal (Colina), matou no Rio de Janeiro o major alemão
Edward von Westernhagen, confundido com o capitão boli-
viano Gary Prado, comandante da tropa que prendera Che
Guevara em 1967. E, em agosto, outro comando da VPR
assassinou em São Paulo o capitão americano Charles Chan-
dler. Do outro lado, começaram as ações de grupos parami-
litares de extrema-direita, como o Comando de Caça aos
Comunistas (CCC), patrocinado pelos porões do regime
Bombas foram colocadas em teatros do Rio de Janeiro e de
São Paulo. No dia 17 de julho, membros do CCC invadiram
o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, onde era encenada
Roda viva. Os artistas foram agredidos, entre eles Marília
Pêra, obrigada a passar nua por um corredor polonês.
A anarquia chegava aos quartéis. No dia l' de outubro, o
deputado Marilio Ferreira Lima (MDB-PE) denunciou no
plenário da Câmara a descoberta de um sinistro plano terro-
rista da direita militar. Oficiais da Aeronáutica liderados
pelo brigadeiro João Paulo Penido Burnier planejavam usar
o Para-Sar, uma uni-
dade de pára-quedis-
tas de salvamento na
selva, para seqüestrar
líderes de oposição e
praticar atentados
terroristas no Rio. A
culpa seria lançada
sobre grupos da es
querda armada, for-
necendo justificati-
va para os ultras da
rem a última volta
no parafuso no regi-
me. O plano foi
abortado pela ação
do capitão Sérgio Ri-
beiro Miranda de
Carvalho, conhecido
como "Sérgio Maca-
co", que o denunciou
aos seus superiores. O caso foi levado até o brigadeiro Edu-
ardo Gomes, herói da Revolta dos 18 do Forte de Copaca-
bana de 1922 e patrono da Aeronáutica, que apoiou o capi-
tão Sérgio Macaco. O inquérito aberto na FAB foi arquiva-
do e seu relator, o brigadeiro Itamar Rocha, exonerado do
cargo de diretor-geral das Rotas Aéreas e preso por alguns
dias. E o capitão Sérgio, expulso da Aeronáutica.
Enquanto isso, o movimento estudantil continuava em
queda livre, mas cada vez mais radicalizado. Em agosto,
os campi da Universidade Federal de Minas Gerais e da
PIVÔ Por causa de "Caminhando", de Vandré, Tom Jobim foi vaiado
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