Você ou eu?' E eu ganhei porque tinha mais álbuns de co-
leção: Pat Boone, Little Richard, Buddy Holly. Falei pra
ele: 'Quero ver a sua discoteca. Raul, então, levou-me à
sua casa e mostrou seu acervo. Nossa amizade nasceu as-
sim. Durou até quando ele se foi".
Conforme descreveu Raulzito em seu diário - Raul,
diz-se, anotava tudo em diários para não perder momento
algum de sua vida, o encontro com Waldir foi fantástico:
"Me preparei todo. Gola para cima, topete, engomei o ca-
belo. Fiquei esperando ele, mascando chiclete" Raulzito
ficou perplexo ao ver que a coleção de discos de Serrão
era maior que a dele: "Ele começou a me visitar no Elvis
Rock Clube, cuja sede era na minha casa. Lá se juntavam
os fanáticos por Elvis. Raul foi o nono associado; Edy Star
foi o 179. Ele me chamava de Rei do Rock. E eu sempre
retrucava: "Rei do Rock é você!" Em 1970, na CBS, o pri-
meiro compacto que Raul produziu foi de Serrão: as faixas
"Pare e Pense" e "A Qualquer Hora". O pioneiro gravou,
também, a antitabagista "O Crivo" - uma das primeiras
letras de Raulzito. Ao cantá-la para mim, em sua casa, os
diminutos olhos de Big Ben marejam: "Deixa o miserável/
Acaba com o pulmão/ Se eu não parar agora/ Vou acabar
num buracão O crivo / Vou deixar de fumar".
Entre 1970 e 1972, assinando com a rubrica Raulzito,
o baiano escreveu, compôs e produziu 51 canções para
o cast da CBS. O ano de 1970 assinalou temporada de
intensa criatividade. Seu nome começou a ser impresso
nos LPs e, cada vez mais, cantores começaram a gravar
suas composições. Nesse ano, produziu artistas do naipe
de Tony & Frankye, Edy Star e Diana. O jovem Márcio
Greyck vivia no apartamento de Jerry Adriani, onde
conheceu Raul Seixas: "Éramos uma turma que curtia
junto", afirma. Foi emocionante, para o cantor, ter gra-
vado "Foi Você". Greyck adorou a canção por causa da
letra "nada água-com-açúcar". "É a mais bela do álbum
Sentimento. Meu repertório primava por letras densas e
maduras que falavam de amor". "Raul Seixas", Greyck co-
teja, "era um compositor romântico de mão-cheia; como
Lennon antes do Sgt. Peppers".
Fundador do conjunto Renato & Seus Blue Caps, Re-
nato Barros fez amizade com Raulzito, ao se associar ao
quinteto de produtores na linha de montagem da CBS,
escuderia que se completava com Rossini Pinto, Walter
D'Ávilla Filho e Mauro Motta. Raulzito o chamava de
José - "E eu nunca soube o porquê. Se houver vida após
a morte vou perguntar a
a ele", avisa Barros. A convivência
entre os produtores era diária. Um ajudava o outro: "A
guitarra de 'Playboy,
por exemplo, foi ideia dele", revela.
Raul noticiou para Barros que haviam sido contratados
pela CBS. "Todas as quartas-feiras jogávamos futebol so-
ciety no Riviera Country Club. Raulzito era ruim de bola.
No intervalo do jogo, ele me contou: "Agora somos pro-
dutores contratados. O salário é fantástico"
Renato e Raul cometeram das suas travessuras poéti-
cas. O álbum dos Blue Caps, de 1970, trazia na contraca-
pa o texto maluco "A Lei da Insequapibilidade" - redigido
por Renato Barros e (anonimamente) Raulzito. "A gente
tinha mania de criar palavras que não existiam", explica
Renato. Na época, além da direção musical, os produto
res eram encarregados de bolar o design gráfico das bo-
lachas. "Criei a capa e, no verso, tinha que pôr qualquer
coisa. Senão, se corria o risco de enfiarem um catálogo
horroroso no lugar". Raulzito entrou na sala de Barros
e sugeriu: "Coloca um texto doido aí, bicho". Formula-
ram, então, a Lei da Insequapibilidade, cuja chave é "cli-
lófricamente simples": "A lei da insequapibilidade pode
ser explicada baseando-se no método do Diafragma de
Aquiles. Tomando-se por base os crepúsculos de diferen-
tes dimensões, alia-se ao pentagrama diluvial pela quin-
ta lei de Newton, referente à gravitação das histórias em
quadrinhos em torno dos velocípedes (..) Insequapíveis?
Sim, porém insequapóveis em certos aspectos, quando
examinados pelo obliquo lado da patinete".
Em 1994, Marcelo Froes deu de cara com as matrizes de
outra gema extraviada do rock verde-amarelo: o conceitual
Vida & Obra de Johnny McCartney, álbum do potiguar
Gileno de Azevedo, melhor reconhecido como o Leno da
dupla Leno & Lilian. Johnny McCartney foi o primeiro e
único projeto bem-fadado de resgate que Froes conseguiu
consumar com uma obra de Raul. Nesse disco, Raulzito
E
M 1995, O JORNALISTA MARCELO FROES AR-
regimentou, nos arquivos da Sony&BMG, divide cinco composições. Em 1970, Leno estava prestes
pesquisa para reunir fitas originais das ses-
sões de gravação da fase "Raul produtor".
Froes deparou-se com
com baú pré-raul-sei-
xístico. Há décadas, os fonogramas assinados por Raul-
zito jaziam cochilando na velha CBS. "Estou Completa-
mente Apaixonada" (Diana), "São Coisas da Vida" (José
Ricardo), "Shala-la - Quanto Eu Te Adoro" (Leno) são
três amostras dessas reliquias. Assim como "Tudo que é
Bom Dura Pouco", feita sob medida para Jerry Adriani
eum dos grandes éxitos do cantor. Embora não se tratas-
se de cancioneiro inédito, ressalta Froes, "a maior parte
das faixas seria editada em estéreo pela primeira vez". A
operação rendeu Deixa Eu Cantar, trilogia de álbuns,
que chegou a ser masterizada e prensada, contendo os 51
registros. Entretanto, de última hora, Froes viu seu pro-
jeto, literalmente, ser quebrado. Em 1997, 3 mil cópias
entraram para o catálogo de vendas da Sony. Apelando
para o chamado "direito de imagem", às vésperas do
lançamento, a major foi ameaçada de processo judicial.
Segundo o jornalista, o acordo seria firmado apenas me-
diante pagamento de alto valor. "Puxaram esse coelho da
cartola e a gravadora se assustou. Por sorte, separei meus
exemplares. Creio que sejam os únicos", estima. Restou
o sentimento de frustração: "A sensação é que há desejo
de abafar as origens jovem-guardistas - nada bregas - de
Raulzito". Procurada para falar a respeito, Kika Seixas,
viúva de Raul e procuradora legal de sua filha, a herdeira
Vivian Seixas, preferiu não se pronunciar.
68. ROLLING STONE BRASIL, AGOSTO, 2009
trig-ha, bandolok.
Raul Seixas
a lançar seu terceiro solo pela CBS - Johnny McCartney,
o primeiro LP gravado em oito canais no Brasil. Criado
em estúdio desde os 16 anos, Leno encorajou Raul a aven-
turar-se em sua própria obra maldita" A instigação, no
ano seguinte, resultou em Sessão das 10. "Muita coisa que
Raul aprendeu sobre estúdio foi participando de Johnny
McCartney. Por exemplo, como se gravava bateria com
mais peso." Sérgio Sampaio pôs mais pilha: "Deixa desse
negócio de ser produtor", aconselhou a Raul. No álbum Eu
Quero É Botar Meu Bloco na Rua, frisson de 1973, Sam-
paio dedicou a canção "Raulzito Seixas" ao produtor de
sua estreia: "Meu nome é Raulzito Seixas / Vim da Bahia
modificar isso aqui / Toco samba e rock, morena/ Balada
e baioque". Segundo o produtor Mauro Motta, pouco an-
tes do "levante" da Sociedade da Grã-Ordem Kavernista -
a denominação escolhida por esse quarteto, pressupondo,
ainda que ludicamente, um movimento -, Raul teria lhe
confessado sua "inveja" de Sérgio Sampaio: "Esse sou eu.
Não sou produtor porra nenhuma!; sou artista"
Somavam-se ao quarteto kavernista o glitter rocker
Edy Star e a sambista
paulista Miriam Batucada. Não há
dúvida: Sessão das 10 é o mais inextricável dos álbuns
concebidos por Raul Seixas. A obra apregoa valores da
sociedade de consumo, destilando inteligência e fina au-
toironia. Durante 40 anos, acreditou-se na fábula segun-
do a qual as 11 faixas de Sessão das 10 foram oficiadas às
escondidas da direção da gravadora. Conforme Edy Star,
único kavernista sobrevivente, não rolou nada disso. O
trabalho, desmistifica, foi profissional e consentido. "A
gravação levou 15 dias, com hora marcada no estúdio e
anuência do diretor artístico."
Outra inverdade seria a de que, por causa da supos-
ta traquinagem armada em Sessão das 10, Raulzito fora
demitido. Na CBS, em 1972, ele ainda produziu o com-
pacto Diabo no Corpo, de Miriam Batucada. Edy define
o quarentão álbum como atualíssimo: “O disco é muito
inventivo e divertido. Sérgio, Raul e eu éramos nordes-
tinos unidos no deboche e nas críticas". Radicado em
Madri, na Espanha, onde dirige uma casa noturna com
"35 mulheres internacionais", Star conta que ele e Raul-
zito se cruzaram, pela primeira vez, em meados dos anos
60, na Rádio Sociedade da Bahia. A relação não era das
Baú sem Fim
Lançamentos marcam os 20
anos sem Raul Seixas
A Universal Music pretende lançar em edição dupla
Krig-há, Bandolo! (1973) e 30 Anos de Rock (1985).
Ambos virão com raridades e versões alternativas.
A MZA Music está soltando 20 Anos sem Raul
composto por um DVD documental, cujo bônus é
o clipe de "Morning Train" ("Trem das Sete") e um
CD só com músicas da parceria Raul Seixas/Paulo
Coelho vertidas para o inglês. A raridade do álbum é
"Gospel", canção inédita de Raul censurada em 1974
e agora resgatada por Marco Mazzola. Devem sair dois álbuns de gravações raras, idealizados
por Sylvio Passos: um show gravado em Patrocínio, Minas Gerais, em 1974, e uma compilação
de raridades acústicas registradas entre 1963 e 1989. Também está prevista a publicação de uma
biografia que está sendo preparada há cinco anos pelo jornalista Edmundo Leite. Só que a mais
esperada novidade é o documentário O Início, o Fim e o Meio, dirigido por Walter Carvalho e
Evaldo Mocarzel, com estreia prevista para dezembro. O filme desencava joias inéditas, como
a apresentação de Raul no Festival de Surf de Saquarema, em 1976. Capturadas em película, as
imagens, guardadas há 33 anos, foram cedidas por Nelson Motta.
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