"Foi-se a época em que
as mães-de-santo ficavam
confinadas nos terreiros,
isoladas do mundo.
É preciso viajar, aprofundar
os estudos, saber o que
está acontecendo"
A senhora fala francês, inglês e espanhol? administra o Afonjá é Oxóssi, o guerreiro, o
Eu arranho nessas três línguas. Me viro. grande provedor. Estamos bem protegidos.
Dizem que a senhora é uma das poucas a
dominar o ioruba... Quem disser que co
nhece a fundo o ioruba está mentindo. Mas
eu falo ioruba, sim. Aprendi com Mãe
Aninha a valorizar a cultura africana. Não
teria sentido eu falar francês e inglês e io-
ruba não. Aliás, foi-se a época em que as
mães-de-santo ficavam confinadas em
terreiros, isoladas do mundo. É preciso
viajar, aprofundar os estudos, saber o que
está acontecendo
Como era sua relação com Antonio Carlos
Magalhães? Sempre cordial, de muito res-
peito. Nós não éramos apaixonados. Até
porque não sou apaixonada por ninguém.
Dentro do Afonjá, funciona uma escola
da rede pública, em convênio com a pre.
feitura. A senhora vetou ali o ensino de
qualquer religião. Por que? Esse negócio
Costuma navegar na internet? Não chego de querer ensinar religião nas escolas não
a tanto (risos).
passa de uma grande bobagem. Eu pode-
ria aproveitar o fato de a escola funcionar
no Afonjá para ensinar candomblé. Mas
não vou fazer isso. Religião não se impõe.
Estamos abertos a alunos e professores de
todas as religiões, mas não aceitamos o
sincretismo, que enfraquece os dois lados,
Mãe Aninha, uma estudiosa da cultura afri-
cana, também não admitia a mistura. Não
misturava São Jorge com Oxóssi.
Mas lê os principais jornais? Sim, sempre
quando tenho tempo. E livros também.
Quais são seus escritores preferidos?
Jorge Amado e Érico Veríssimo. Mas gos-
to também de romances policiais. Gosta-
va muito de ler Agatha Christie.
A senhora nunca pediu audiência para
algum politico influente da Bahia? Não.
Quando a senhora tomou posse como ia-
lorixá em 1976, o terreiro sofria algum tipo
de perseguição de políticos ou da policia?
Não. Eles sempre me respeitaram. Quem
22 | VERMELHAS
Existia rivalidade entre a senhora e dona
Mäe Menininha do Gantois? Como era a
sua relação com ela? Não, não havia rivali-
dade. A gente se respeitava muito. E havia
amizade também. Quando a Mãe Senhora
sucessora de Mãe Aninha no Afonjá) mor-
reu em 1967), Mãe Menininha veio até
aqui prestar solidariedade e carinho.
Qual é a sua lembrança de Jorge Amado,
que, apesar de ateu declarado, era obá de
Xangô (uma espécie de titulo honorário,
concedido aos amigos da casa) no Afonjá?
Fomos muito amigos. De toda a família.
Jorge era especial, uma figura doce e muito
simples. Simples de verdade. Sempre dor
mia aqui em casa nas celebrações a Xangô.
Não dispensava um bom cafezinho.
O sincretismo era tema recorrente na li
teratura de Jorge Amado. Nunca discuti
ram sobre isso? Não, seria muito injusto da
minha parte. Jorge, com seus livros, ajudou
a popularizar o candomblé. Esse é o seu
legado. A gente tinha formas diferentes
de pensar a religião, mas isso jamais dimi-
nuiu minha admiração por tudo que ele fez
pela cultura africana.
Segundo levantamento do IBGE, de 1980
a 1991, os cultos afro-brasileiros perde-
ram cerca de 30 mil adeptos. Outra pes-
quisa aponta que, nos anos 90, 16% dos