DOM
NATURAL
AOS 73 ANOS, JOÃO DONATO, UM DOS MAIORES MESTRES
DA MPB, SE PREPARA PARA LANÇAR O SUCESSOR
DE SEU DISCO MAIS EXPERIMENTAL, O CLÁSSICO A
BAD DONATO. INCANSÁVEL E GENIAL, COMPÕE A
TODO MOMENTO E TRANSFORMA QUALQUER OBJETO
EM INSTRUMENTO PARA SUA MÚSICA - ATÉ MESMO
UMA INOFENSIVA POLTRONA DE MASSAGENS
POR CRISTIANO BASTOS FOTO MAURÍCIO VALLADARES
Só para relaxar, Laércio senta-se na pol-
trona que - fora a musicalidade reinante
- virou atração residencial à parte. Como
gueixa eletrônica, massageia braços, per
nas, cabeça, tronco, o corpo inteiro, até os
dedos dos pés e mãos. Pode-se escolher a
velocidade: low, high ou speed.
sessão que escolhera, ergue-se sobressal-
tado e anuncia: "Esta poltrona tem músi-
ca!". E, entusiasmado com a descoberta
auditiva, passa a reproduzir, no meio da
sala de estar, a “batida". Ao piano Gold-
mann, Donato e Laércio a repetiram e
testaram. O resultado foi uma base ins-
trumental primitiva.
Quem tem o privilégio de visitar Donato
e passar um fim de semana conhecendo de
perto sua vida e trabalho, sempre ensaia
um relax na shiatsu machine, o carinhoso
apelido doméstico do aparelho.
A cantora Vini Kjaergaard luel, dina-
marquesa arrebatada pelo universo musi-
cal de Donato, estava no Rio e foi visitá-lo.
Exausta de um longo vôo, sentou no musi-
cal assento, enquanto o via ensaiar como
guitarrista Ricardo Silveira.
Das incontáveis combinações de vibra-
ções disponíveis, o maestro Laércio- res
peitado arranjador e pai da atriz e canto-
ra Thalma de Freitas - cismou com uma
"vibração melódica" em especial. Freitas
escuta música nas minúcias, "ouvido de tu
berculoso", e selecionou sua opção de mas-
sagem: primeiramente, pelo som; a seguir,
pela terapia. O timbre dashiatsu machine é
vagamente próximo ao das baterias eletrô
nicas setentistas - datado e bacana como
as texturas de Giorgio Moroder, o mago
italiano dos sintetizadores. Para Donato,
o "som da poltrona" é o de menos - O que
importa é a sugestão rítmica", parodia.
A massoterapia de Laércio foi breve.
Alarmado com o compasso musical da
Medita, afundada em tranquilidade:
“Massagem ao som de Donato? Isso é
perto do paraíso..." Nesse dia, ela tam-
bém foi agraciada com um insight shiás-
tico: escolheu sua modalidade e saiu
espontaneamente a cantarolar o ritmo
da massagem. Ao piano, Donato - mais
um "ouvido de tuberculoso" - pede que
repita as notas. A vocalização se encaixa
na base instrumental criada meses antes
por Laércio e Donato. Enquanto torna-
va a cantar, ela lembra, ele harmonizava a
melodia ao piano: "Não adianta, se derem
uma máquina de escrever para o Donato,
alguma melodia vai sair dali".
Á UM ANO, O MAESTRO
Laércio de Freitas anco-
ra à casa de João Dona
to - vista para a Baia da
Guanabara, costas para o
Morro da Urca, quase colada à cobertu-
ra de Roberto Carlos - e se acomoda na
poltrona da sala de ensaios.
O móvel não é ordinário, nota-se pelo
nome: Shiatsu Massaging Cushing. Do-
nato, compositor de "A Paz", o trouxe de
Denver (Colorado), em 2001, em seu colo,
ao fim da temporada de shows no Vartan's
Jazz Club. Acionado por controle remoto e
ligado à tomada, funciona por estímulo de
vibrações eletromagnéticas.
Produto fino e, pelo preço, uma baga-
tela. Por US$ 199 (por volta de R$ 350),
as oscilações reproduzem técnicas da
massagem japonesa surgida nos ester-
tores da era Meijim, em 1800. Semo
saber, os fabricantes da HoMedics Inc.
não apenas adequaram medicina orien-
tal à traquitana: a tecnologia passou ao
estado de arte pela maestria de João Do
nato de Oliveira Neto-um dos maiores
da música popular brasileira -, que fez
samba brotar do aparelho e, por tanto,
nem cobrou royalties.
ROLLING STONE BRASIL. JUNHO 2008 83
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