Dilma Rousseff
Tango, cães e literatura
CLAUDIA Num jantar politico, a senhora cantou com o sena-
dor Eduardo Suplicy (PT-SP) o tango EL DIA QUE ME QUIERAS.
Gosta de música? DILMA Adoro. Mas não cantei. Minha
voz é de fazer chover. Eu falava a letra e Suplicy can-
tava. Meu pai me obrigou a estudar piano por quatro
anos, mas, infelizmente, não tenho o menor talento.
Aprendi a ouvir tango e jazz na prisão, com uma cole-
ga de cela, a professora Maria do Carmo Campello de
Souza. Naquela época, passei a entender melhor Astor
Piazzola e a apreciar a voz de Ella Fitzgerald. Maria
do Carmo tinha muitos discos, que nos tocávamos nu-
ma vitrolinha. As caixas de som eram ótimas, feitas
por outra presa com caixotes de maca. Hoje ouço mui-
ta música clássica - Bach e Vivaldi estão sempre comi-
go - e ainda curto a dupla Zezé di Camargo e Luciano.
CLAUDIA Sertanejo? Isso é influência do presidente Lula...
DILMA Não! Já gostava bem antes de
trabalhar com Lula. E O WOR é linda.
Não tenho restrição a gênero algum.
Meu lado gaúcho (viveu no Rio Grande
do Sul por três décadas) me leva a gos-
tar ainda do Bagre Fagundes: O can-
to gauchesco e brasileiro desta terra
que eu amei desde guri..." (cantarola
batucando com a mão sobre a mesa).
CLAUDIA Seu lazer é à base de música? Dil-
MA Em primeiro lugar, de leituras,
Leio tudo. Estou na fase dos angola-
nos, como José Eduardo Agualusa, autor de TENDE-
DOR DE PASSEDO, e de Pepetela. de PREDADORES. Tam-
bém gosto muito de pintura e tenho a minha galeria.
CLAUDIA A senhora coleciona obras de arte em casa? DILMA
No computador. Entro nos si-
tes dos museus famosos. co-
mo o Metropolitan, acesso as
que quero e baixo. Se estou
numa fase impressionista.
seleciono obras impressio-
nistas. Atualmente, prefiro
as japonesas. Para mim. lite-
ratura, música e pintura são
instrumentos de descoberta.
A nossa aventura neste mun-
156
CLAUDIA Abril 2009
Em passeios
matinais.
com o labrador
Nego
Dilma (à direita)
e os irmãos, Igor e
Zana Livia
do passa por compartilhar a
arte. Por meio dela, acesso
um pouco a raça humana. Se
não tiver essa dimensão, en-
tendo bem menos as pessoas.
Nasci dia 14 de dezembro de
1947, em Belo Horizonte. Com
meus irmãos (Igor, 62 anos, e
Zana Livia, já falecida), nadava
no Minas Tênis e subia em ár-
vores: tínhamos jabuticaba, fruta da mi-
nha mãe, e pera, do meu pai o empresário
Pedro Rousseff, já falecido). Ele era socialis-
ta, não tinha religião, mas, quando eu dis-
se que queria fazer primeira comunhão,
me levou para o Sion, escola de freiras que
promovia ações sociais no morro do Papa
gaio. Dias antes do golpe de 1964, entrei
no Estadual de Minas Ge-
rais, um colégio eferves-
cente. Ia a passeatas, via
o Teatro Opinião ence-
nar Arena Conta Zumbi,
uma ode aos direitos dos
oprimidos. Aos 16, ingres-
sei na Polop (a organiza-
ção Politica Operária). Lia
obras do Celso Furtado,
considerado subversivo, e assistia aos fil-
mes do Glauber Rocha, com ele na plateia.
Guardo memórias boas, como conviver
com Milton Nascimento para mim, Bitu-
ca-e Márcio Borges, parceiro dele. Na casa
do Marcinho começou o Clube da Esquina.
Ele e eu roubávamos lanche da geladeira
da minha mãe... Mas outro dia achei es-
tranho: encontrei Bituca no aeroporto
de Porto Alegre, e ele não me reconheceu.
O AMIGO Márcio Borges, 62 anos, gargalhou ao saber
que Dilma se lembra dos assaltos à geladeira. "Buscá-
vamos comida e bebida para que nossas festas duras-
sem uma semana", diz. "Ela era a lider mais brilhante,
tinha uma coragem surpreendente, pagou o ideal com
as dores do corpo. Fiquei arrasado ao ver, em 1968, car-
tazes com a foto dela e a palavra 'Procurada! Quando
ressurgiu na TV como pessoa pública, gritei: 'É a Dil-
ma, a minha Dilma! Minha candidata desde os 20 anos."